Em 14 de Dezembro de 1974, o Partido Socialista realizou o seu 1º Congresso, tendo aprovado, nessa data, um Programa Eleitoral, onde, entre outras, constam as seguintes afirmações:
– “Será garantida a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma, e o direito à livre informação” (Página 7)…
– “A liberdade de expressão do pensamento será exercida sem subordinação a qualquer forma de censura prévia ou não” (Página 7)…
Passados quase 50 anos, o mesmo Partido Socialista, pela voz do Ministro da Educação João Costa, certamente corroborado pelo próprio 1º Ministro António Costa, prima, em 2023, pela censura, encapotada de legalidade:
– “A diretora do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis, em Gondomar, Glória Sousa, processada pelo Ministério da Educação pela exibição de uma tarja polémica, foi acusada de violação dos deveres de imparcialidade e lealdade, revelou esta segunda-feira à Lusa a própria.” (Porto Canal, em 27 de Novembro de 2023)…
– “Em causa está a exibição de uma tarja onde se lê “Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas” desde fevereiro exposta na escola EB 2.3 Júlio Dinis, facto que gerou um processo disciplinar à diretora.” (Porto Canal, em 27 de Novembro de 2023)…
O mais absurdo desta situação é que a afirmação constante na referida tarja, “Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas”, não apresenta, sequer, qualquer conotação política, sindical ou partidária, nem se constitui como uma ofensa, difamação ou injúria dirigida a alguém…
Ainda que possa ser uma crítica implícita ao Ministério da Educação, será isso proibido num Estado de Direito Democrático?
Em que momento, Portugal terá deixado de ser um Estado de Direito Democrático?
Se isto não é censura da mais óbvia e ostensiva, então o que será censura?
Muitos dos pretensos defensores da Liberdade e supostos arautos da Democracia, têm por hábito ostentar na lapela um cravo vermelho, símbolo maior do 25 de Abril de 1974, quando se comemora esse acontecimento em cerimónias públicas…
Por onde andarão esses pretensos defensores da Liberdade e arautos da Democracia (e o Partido Socialista tem tantos!), enquanto se assiste a uma acção de censura, absolutamente incompreensível e inaceitável, encapotada de legalidade, engendrada pelo Ministério da Educação, contra um profissional de Educação, neste caso Directora de um Agrupamento de Escolas?
Por onde andará a pretensa “elite de intelectuais de Esquerda”, noutras ocasiões, porventura muito menos gravosas, tão célere a clamar pela Liberdade, pela Justiça e pela Democracia?
Ainda não se ouviu uma única reclamação desses pretensos defensores da Liberdade e arautos da Democracia que, na verdade, só costumam alevantar as suas vozes quando eles próprios, ou algum dos seus comparsas, são “importunados” por alguém, sobretudo quando “incomodados” pelo Ministério Público…
Apenas nessas circunstâncias se costuma instalar uma verdadeira consternação e indignação:
– Os pretensos “donos do regime” unem-se, então, de forma arrogante e sobranceira, contra todos aqueles que ousem afrontá-los com certas “minudências”, “pormenores” sem qualquer importância ou gravidade, como a suspeita da prática de determinados crimes… Aí as hostes reclamam sempre muito, proclamando “a sete ventos” a presunção da sua inocência…
São assim aqueles que agem como “donos do regime”, gerindo o país como se ele fosse propriedade sua, ou como se a Democracia tivesse a obrigação de aceitar a sua vontade e todas as suas acções, mesmo as que possam encontrar-se enfermas de certos vícios…
Só que a Democracia não vive apenas de palavras… A Democracia vive, e sobrevive, sobretudo, de acções…
E as acções governativas de António Costa e de João Costa negaram e contradisseram, em diversas ocasiões, o próprio ideário do Partido Socialista, desde logo o Programa Eleitoral apresentado em Dezembro de 1974 e que norteou a fundação desse Partido Político, assim como alguns princípios fundamentais de um Estado de Direito Democrático, constantes na actual Constituição da República Portuguesa…
As tentativas de limitar o direito à Greve, como a imposição (infundada e inválida) de serviços mínimos; ou a tentativa de intimidação de Professores, pela marcação de faltas injustificadas, por motivo de Greve; ou, ainda, as tentativas de limitar o Direito de Reunião e de Manifestação, permitindo que determinadas forças policiais fizessem uso de uma Lei obsoleta de 1974, que estipula os dias e as horas em que são permitidos desfiles e cortejos, são apenas alguns exemplos de evidentes tiques ditatoriais que presidiram à acção governativa de António Costa e de João Costa…
Pela acção governativa de António Costa e de João Costa, a Escola Pública viu-se rodeada por um “terreno movediço” e perigoso, que várias vezes colocou em causa alguns Direitos e Garantias dos cidadãos, como as tentativas de limitar a Liberdade de Expressão, tentando impedir, a qualquer custo, a contestação ao estado deplorável em que se encontra a Educação em Portugal…
Ao que tudo indica, o “crime” dos Docentes e da Directora do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis (Gondomar) consistiu em terem a coragem, a ousadia e o discernimento de criarem e adoptarem uma divisa, por sinal, muito apropriada a qualquer Escola Pública, repleta de significado, mas que, plausivelmente, foi interpretada pelo Ministério da Educação como oposta e atentatória ao paradigma vigente e, assim sendo, muito grave e censurável…
Segundo consta, o governo ditatorial de Oliveira Salazar costumava adoptar procedimentos ligeiramente parecidos…
O processo disciplinar instaurado à Directora do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis parece provar a gravidade dessa ousadia, dessa afronta…
Um 1º Ministro, principal responsável por todas as acções de um Governo, e um Ministro da Educação que, invoquem o incumprimento dos deveres de imparcialidade e lealdade, como justificação para a instauração de um processo disciplinar com estes contornos, estarão, previsivelmente, a escudar-se na Lei, neste caso na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), para sancionarem, de forma clamorosa, quem se apresente como um “herege”, não doutrinável, ou quem se mostre capaz de resistir ao paradigma vigente…
“Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas”, bem poderia ser o lema adoptado por todas as escolas do país, mas para o Ministério da Educação, incapaz de conviver com contraditórios, trata-se de uma conduta tão grave que justificou a instauração de um processo disciplinar…
Que se saiba, a Liberdade de Expressão e Informação continua consagrada na Constituição da República Portuguesa (Artigo 37º) e “no direito português, não existe aquilo a que costuma chamar-se «delito de opinião».” (Fundação Francisco Manuel dos Santos)…
A definição de Estado de Direito Democrático, constante no Artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, também não parece admitir a possibilidade de alguma forma de censura ou de intimidação à Liberdade de Expressão e ao Direito de Opinião…
Parece que, afinal, a censura, repudiada em 14 de Dezembro de 1974 no Programa Eleitoral do Partido Socialista, continua viva e a ser praticada, paradoxalmente, pelo próprio Partido Socialista…
Um cravo vermelho na lapela não faz um democrata…
Para fazer um democrata, é preciso muito mais do que uma mera encenação, trespassada pela evidência de hipocrisia…
Gosto de cravos vermelhos…
Já vê-los na lapela de quem se mostre incapaz de honrar a prática do seu significado, parece susceptível de poder causar algumas inevitáveis reacções adversas, como sorrisos sarcásticos…
Definitivamente, um cravo vermelho na lapela não faz um democrata…
Paula Dias
5 comentários
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Só isto já era o bastante para nenhum professor, nem educador, nem técnicos nas escolas, nem assistente operacional, nem assistente técnico nas escolas deste país votasse PS, pois por aqui se vê a podridão da ação deste partido nas nossas Escolas.
E se todas as escolas colocassem uma tarja igual, a partir de janeiro e fosse chamada a comunicação social, como forma de pressão?
Estou perplexo.
Como é possível interpretar aquela frase dessa maneira. Falta de lealdade, imparcialidade, bla, Bla.
Aquela frase é uma bela mensagem de cidadania a Todos. Uma frase criativa e bonita.
Para que existe a disciplina de cidadania nas escolas? Não eu para ajudar os alunos a pensar? A desenvolver espírito crítico.
O ministro tão defensor , e bem, dessa disciplina está a contradizer se ao punir a colega. Devia era apreciar la e dar lhe os parabéns. Naquela escola pensam.
O Partido Socialista sempre foi a continuação do partido único que existia no Estado Novo. Basta ver a quantidade de “democratas” convertidos à pressa que lá se filiaram, alguns dos quais chegaram longe na hierarquia e cargos do partido.
Completamente de acordo.