Subir na vida- José Afonso Baptista

 

Dantes subiam na vida os filhos de pais ricos e herdeiros de grandes fortunas. Hoje não é muito diferente, mas a escola intrometeu-se nesta espiral de subida e rasgou novas vias de acesso sem pôr em causa a sabedoria popular traduzida no velho aforisma “filho de peixe sabe nadar”. Em termos estatísticos, são os filhos das classes privilegiadas que melhor cruzam as rotas da escola. Contudo, a invenção da escola como instrumento universal da pretensa melhoria da espécie humana deu-lhe grande protagonismo como “ascensor social” e abriu espaço na opinião pública para a crença de que os melhores são os que têm mais escola com as melhores classificações. A escola introduz assim um novo indicador de prestígio que não está ao alcance de todos. Isto mexe com as promoções à margem da escola, que levam ao governo e a altos cargos pessoas sem qualificações nem competências nem experiência profissional que as recomendem. A importância da escola e das qualificações académicas está comprovada na ganância criminosa de quem “compra” os professores, compra trabalhos e diplomas, para justificar os cargos e funções que não merecem. Sucessivos governos “autorizaram” este modelo de negócio. Reconhecem a escola como a via honesta, mas confiam mais nas fidelidades partidárias mesmo quando manchadas por negócios inconfessáveis. A escola não é perfeita, mas é, ainda assim, a via mais justa e honesta para formar e eleger quem merece. Por caminhos diferentes, todas as escolas selecionam.

A escola inglesa é altamente competitiva e seletiva. Mantém o regime de classes tradicional assente em dois fatores: a idade e o desempenho escolar. A progressão, por norma, é automática, em classes de nível, as primeiras turmas têm os alunos com classificações mais elevadas, as últimas acolhem os alunos de níveis inferiores, traduzindo a ideia de que esta distribuição por classes de nível se adapte melhor às circunstâncias de cada classe. Não há reprovações, todos os alunos completam a escolaridade obrigatória aos 18 anos, idade em que se opera a grande seleção: os alunos de nível A entram em geral nas universidades e cursos da sua escolha, nos outros níveis ficam condicionados, muitos sem acesso às universidades, mas com portas abertas para cursos menos exigentes, ou simplesmente para entrar no mercado de trabalho. Esta normalização por idades e níveis de desempenho tem como pressuposto a normalização dos processos de organização do trabalho escolar.

Na Finlândia, igualmente seletiva na transição do secundário para o superior, a organização da escola obedece a um figurino diferente: não há classes ou turmas, nem há a rigidez na organização do trabalho por idades. Há uma planificação por temas ao longo dos anos, temas obrigatórios e temas facultativos, os alunos organizam-se por grupos temáticos e são acompanhados por docentes na organização e dinamização do trabalho. No mesmo grupo podem estar alunos de diversas idades, o que os une é o interesse pelo mesmo tema. Este modelo organizacional fomenta mais a cooperação, o espírito de entreajuda e o apoio em função das capacidades e fraquezas dos alunos. O trabalho por grupos é menos permeável à competição “doentia” do sistema inglês. Contudo, aos 18 anos, a entrada no ensino superior é igualmente seletiva. Nas universidades e cursos mais pretendidos só entram os que obtêm melhores resultados, havendo alternativas de formação e especialização em todas as áreas profissionais.

O sistema português, mantém o regime de classes. A retenção ao longo da escolaridade dá lugar a classes com diferentes níveis etários. Observando coortes de alunos desde o 1º ciclo até ao 12º ano, verifica-se que muitos vão ficando para trás, muitos desistem ou atingem os 18 anos antes de concluir a escolaridade obrigatória. O número de alunos à saída é muito inferior ao de entrada. A mobilidade e instabilidade dos professores compromete os níveis de confiança e estabilidade emocional dos alunos. As turmas sofrem alterações de ano para ano, devido às retenções, com impacto nas relações entre alunos. O programa é rígido, uniforme, igual para todos, sem a menor flexibilidade em relação ao perfil dos alunos, às suas motivações e capacidades. A entrada no ensino superior é altamente seletiva, não apenas em função das notas dos alunos, mas da sua incapacidade financeira. Neste nível de ensino nem sempre entram os melhores, sendo muito elevados os níveis de desperdício. Em Portugal, a seleção começa na exclusão. A escola, em vez de orientar os alunos de acordo com o seu perfil, condena-os à exclusão ao longo de todo o percurso.

Os partidos são o “ascensor social” de recurso, promovendo muitas vezes aqueles que não tiveram talento para subir na escola nem para se afirmarem noutras áreas. Não significa que os militantes dos partidos sejam sempre os filhos do fracasso, mas, sendo, têm sempre uma porta aberta para a mediocridade e o insucesso. O cartão do partido é condição suficiente e “sine qua non” para altos voos, mesmo de gente sem indicadores de competências, sem valores e sem prestígio. Observando bem o altar dos partidos, encontraremos sempre alguém sem escola certificada, sem profissão conhecida, “doutores da mula ruça” que se fazem passar por aquilo que não são. Não poucos ascendem ao governo, com os resultados que se conhecem. Os partidos em Portugal concentram-se mais em governar o partido e a sua clientela do que em governar o país real. Com um “ascensor social” fora dos carris.

diário as beiras | 15-06-2023

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