Estamos, ou não, condenados à obediência?

 

Durante muitos anos, os protestos na Educação foram sendo realizados quase sempre de uma forma “branda e aveludada”, muitas vezes traduzida por um pensamento deste género: “Discordamos veemente, mas acabaremos por fazer…”

 

Reclamava-se muito, mas quase sempre por via “oficiosa”, e os protestos ou as reclamações raramente eram visíveis e assumidos, ou se concretizavam, em termos públicos

 

Em suma, “resmungava-se” muito, mas acabava sempre por se aceitar e cumprir todas as ordens, pelo menos em termos tácitos…

 

O Ministério da Educação, durante vários anos, foi muito mal habituado pelos próprios profissionais de Educação, tanto pela quase ausência de efectivos protestos, como pela sua abnegação, que foi permitindo colmatar as muitas falhas de funcionamento existentes dentro de cada escola, nomeadamente a insuficiência de meios materiais, mas também de recursos humanos, todas imputáveis à Tutela…

 

Os  muitos problemas, frequentemente existentes em cada escola, foram sendo disfarçados pela atitude altruísta dos profissionais de Educação, que permitiu ir remediando as carências aí patentes…

 

A ideia que foi sendo passada para o exterior seria, mais ou menos, esta:

 

– Se não há queixas é porque está tudo bem;

 

– E, de certeza, que está tudo bem porque as escolas continuam a funcionar regularmente e sem perturbações visíveis…

 

Só que, afinal, não estava tudo bem…

 

E exactamente por isso, os profissionais de Educação acabaram, finalmente, por unir-se e assumir uma luta efectiva, audível e visível, que, neste momento, se vai recriando das mais variadas formas…

 

Pela parte do Governo, já se percebeu, há muito, que não existe qualquer intenção de fazer cedências significativas e que também há uma clara índole coerciva nas propostas até agora apresentadas…

 

A prova disso foi a forma como o Ministério da Educação procedeu ao desfecho das últimas “negociações” com os Sindicatos: no fim prevaleceu a sua vontade e o que realmente importará serão as próprias pretensões, manifestamente expressões de prepotência e de arrogância…

 

À luz do anterior, as próximas rondas negociais servirão exactamente para quê? Que esperança poderá, ainda, daí advir?

 

Sabendo que, em breve, será publicado em Diário da República o normativo legal referente ao novo regulamento dos Concursos de Professores, expectavelmente incompatível e oposto às pretensões docentes, o que fazer perante tal Lei?

 

Depois de toda a contestação, que tem vindo a ser assumida sob as mais variadas formas, acabará por se aceitar e cumprir uma lei, previsivelmente, injusta e iníqua?

 

Começa a sentir-se o constrangimento típico de um “beco” de difícil saída…

 

Chegados aqui, façamos  um pequeno “exercício de futurologia”, assente em suposições:

 

– Supondo que nas próximas rondas negociais se manterá, pela parte do Governo, a intenção de não fazer quaisquer cedências significativas, permanecendo em simultâneo uma clara índole coerciva nas propostas apresentadas, que atitude deverão adoptar os Sindicatos perante tal intransigência?

 

Aceitam-se e cumprem-se todas as decisões tomadas, unilateralmente, pelo Governo?

– Supondo que a luta dos profissionais de Educação, depois de recorrer a vários tipos de Greves e a Manifestações de vária ordem, não consegue demover o Governo, nem fazê-lo aceitar as principais pretensões dos profissionais de Educação, como resolver esse impasse?

 

Esquece-se a luta, “voltamos todos para casa”, fazemos de conta que não se passou nada e aceitam-se e cumprem-se todas as directivas do Governo?  

 

O Governo pode ter “abanado”, mas não “caiu”, nem cedeu, face à presente luta, na medida em que, nem as Greves, nem as Manifestações, nem a “opinião pública”, nem as Vigílias, nem os Cordões Humanos, nem os Acampamentos, nem as tomadas de posição públicas de diversas entidades, o fizeram retroceder no essencial…

 

Assim sendo, as actuais formas de contestação estarão ou não esgotadas?

 

Com toda a franqueza, por tudo o que já se viu, não parece que o actual Ministério da Educação esteja disposto a alterar uma “vírgula” ao que pretende implementar, se não existir uma contestação que ultrapasse as formas de luta até agora encetadas…

 

E se, pela positiva, a união dos profissionais de Educação é, neste momento, uma realidade indesmentível; pela negativa, também o é  o facto de, em termos práticos, não se ter alcançado o principal efeito pretendido:

 

– Levar o Ministério da Educação a retroceder nas suas decisões iniciais, acolhendo as principais reivindicações dos profissionais de Educação…

 

Objectivamente, o que se ganhou até agora, face ao pretendido?

 

Apesar de toda a criatividade presente nas várias formas de luta que, entretanto, se foram desenvolvendo, e que tem ajudado a animar “as tropas”, não se pode perder de vista o principal objectivo desta contenda e os respectivos resultados práticos:

 

– Contrariar as pretensões do Governo, conseguindo, por essa via, impedir  a publicação de leis injustas e iníquas, com prejuízos insanáveis, e que previsivelmente se constituem como potenciais atropelos aos Princípios da Justiça, da Liberdade e da Equidade, indissociáveis de um verdadeiro Estado de Direito…

 

– Na verdade, as formas de luta até agora empreendidas não conduziram à obtenção dos resultados concretos desejados, mas apenas a “vitórias morais”…

 

As “vitórias morais” também são importantes, mas acabarão por perder a sua vitalidade e o seu significado se não forem acompanhadas por vitórias materiais, com efeitos concretos e visíveis…

 

A maioria absoluta parlamentar legitima, pelo menos em termos teóricos, as decisões tomadas pelo Governo, consumadas sob a forma de normativos legais…

 

Ainda assim, vivemos numa sociedade democrática, onde, obviamente, cabem a rejeição e a transgressão de leis, que possam ser consideradas como oponentes aos Princípios da Justiça, da Liberdade e da Equidade, onde se enquadra a possibilidade de Desobediência Civil…

 

Abdicar, à partida, dessa prerrogativa poderá revelar-se como um erro crasso, como muitos outros cometidos ao longo dos últimos anos e que acabaram por conduzir ao actual estado de calamidade em que se encontra a Escola Pública…

 

Aceitar tudo e cumprir tudo continuam como uma opção ou essa alternativa foi definitivamente posta de parte pelos profissionais de Educação?

 

Estamos, ou não, condenados à obediência?

 

(Paula Dias)   

 

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11 comentários

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  1. Mas foram dar-lhes maioria absoluta… pois, pois, memória curta.
    Não desistimos!!

      • Maria Estafada on 17 de Março de 2023 at 10:52
      • Responder

      Tem maioria absoluta, certo! Mas o povo quando votou nele naturalmente pensou que ele iria ser responsavel e pensar no seu pais e no seu povo. Não é isso que está a fazer! Se não é isso que está a fazer não merece continuar. Há que lutar pelos nossos direitos. O povo tem que abrir os olhos e a boca e por mãos à obra e fazer de tudo para ter melhores condições de vida e fazer com que todos os gatunos que estão no governo , sejam eles de que partido for, (pois não estou a ver lá nenhum de jeito) saiam de lá. Para governar um país deveria ser pessoas sérias, que pensassem mensmo no seu pais e não no seu bolso. Vivemos num país de corruptos. E todos os corruptos só deveriam ter um lugar, a PRISÃO.

    • obnóxio on 17 de Março de 2023 at 11:04
    • Responder

    Dar 20 e 5 a todos os alunos querem avacalhar o sistema então avacalhemos de vez ..ninguém sai prejudicado os bons são sempre bons e os outros são o que já são.

    • Encruzilhada on 17 de Março de 2023 at 11:28
    • Responder

    Neste momento a Maioria Absoluta já é só formal e não traduz o sentir da população portuguesa. Mantém-se, porque ao contrário dos tempos do Santana Flopes, agora o Marcelo recusa dissolver a AR e convocar novas eleições, porque sabe que não há alternativa credível. O PSD arrasta-se sem fulgor nem ideias num tipo de oposição de “dizer mal, mas sem alternativa credível” – aliás se subisse agora ao Poder com Montenegro, acho que nem saberia o que fazer e limitava-se a ser um Troika II. Os outros são partidos de protesto, sem quadros e que nada constroem. Temos de nos valer por nós próprios e uma vez que as Leis feitas por “eles”, estão ali para nos tolher o passo, é preciso equacionar seriamente a hipótese de lançar sucessivas campanhas de Desobediência Civil, claro, fazendo com que os Departamentos Jurídicos dos vários Sindicatos estejam prontos para defender os associados e por ações coletivas em nome de agrupamentos de professores. Quanto aos capatazes de plantão que hão-de vir com ameaças e bullying, é rir-mo-nos na cara deles e levá-los a Tribunal. Continuar a jogar com um baralho viciado, só leva à derrota.

    • Lua e Sol on 17 de Março de 2023 at 12:35
    • Responder

    Greves, Tribunais…
    Não votar PS.
    GREVES até às próximas eleições. O Presidente da República já concorda com uma certa recuperação do tempo congelado…
    Se o Governo/ME nada negociar, o PR está disposto a demitir o 1º Costa?
    Para além disso, só mesmo Desobediência Civil. Não cumprir Serviços Mínimos? Teriam que ser muitos e não poucos professores…
    Mas o Governo partiria para Requisição?
    Novamente Desobediência? Seria uma bomba, especialmente se muitos professores aderissem.
    O problema é esse. Quantos estão dispostos a tal?

    • Irene on 17 de Março de 2023 at 12:37
    • Responder

    Deram-lhe a maior, aí está o resultado!
    Este senhor é pouco sério, se bem se recordam, como constituiu o governo anterior? Através de manhas e pouco dignas! Os portugueses andam cegos e surdos! Devem continuar,vivemos num mundo globalizado e alguém está de olhos em Portugal! Isto dos contratos, só acontece porque foram obrigados. Mas como são bons alunos seguiram um pouquinho mais ao lado.
    Cuidado, existe um rebuçado amargo!…
    Não dão ponto sem nó!…
    Quem foi até aqui, vai até ao fim!
    CONTINUEM!


  2. Não percebo a que é que poderíamos desobedecer, excepto aos serviços mínimos. Se o fizéssemos, seria como e com que objectivo? Lembro que os serviços mínimos foram decretados muitas semanas após haver “greve por tempo indeterminado”. Essa greve foi levada a sério? Os professores estiveram ausentes do local de trabalho todo o dia e todos os dias? Não! Faltavam a um ou dois tempos (quando faltavam) e depois entravam na escola e tudo continuava. A “criatividade” de que fala a autora do artigo é que é o problema. Tendo-se habituado a achar que ser bom professor é fazer umas coisas giras, tanto na sala de aula como na escola, os docentes quiseram fazer da greve uma coisa gira. O resultado está à vista, quer em termos da medida retaliatória dos serviços mínimos, quer na aprovação do diploma dos concursos. O que falhou, caros colegas? Bem, eu fiz greve, todo o dia e todos os dias, em Dezembro (depois, parei, claro, pois percebi que o que estava em curso era uma palhaçada, e não uma greve por tempo indeterminado). Em contraposição, a quase totalidade dos professores deu aulas e cumpriu todo o serviço, mas ia manifestar-se ao sábado, empunhar cartazes durante a semana, entre outras formas de luta, a que eu chamo bater punhetas a grilos. É no que dá criatividade. Claro que os cérebros docentes são inesgotáveis. Agora, o pessoal quer iluminar pontes à noite, buzinar durante o dia e o cara*** a sete. Shakespeare enganou-se: o mundo não é um teatro, mas um circo. Divirtam-se, palhaços.


    1. Epá, não sejas tão negativo!
      Muito mudou! A criatividade tem resultado.
      Já temos grupos de pais a encerrar escolas!
      Já temos comunicação social do nosso lado!
      Já temos população mais esclarecida do nosso lado!
      Tal como a água vai fazendo o seu percurso pelo meio das pedras, também nós estamos a abrir caminhos. Temos sido a esperança de tantos que aspiram a justiça honesta e limpa no meio do lodaçal criado pela gentalha da política.
      Não haverá maioria absoluta, por mais prepotência que use, capaz de parar esta dinâmica desejosa de mudança que é transversal e que nos move a todos como seres humanos!
      Não desistiremos de agir e de agir pensando e acreditando.

    • PTC on 17 de Março de 2023 at 17:35
    • Responder

    A desonestidade, desumanidade e incompetência de uma mente doentia não podem de forma incólume afectar de forma porventura irreversível a vida de milhares de professores, e consigo levar à destruição do serviço nacional de educação e da escola pública.

    Nós professores, não podemos permitir esta política ruinosa!

    Nós professores, com a nossa união genuína e a abnegação com que nos temos entregado a manifestar publicamente a nossa repulsa por estas políticas nefastas, não o podemos permitir!

    Sobre a terrível e insultuosa proposta de vinculação dinâmica escreveu Santana Castilho:
    «Posto isto, que bela lição dariam os professores a João Costa se o deixassem a falar sozinho com o diploma que vai levar a Conselho de Ministros e nem um só dos contratados concorresse à pérfida vinculação dinâmica! A que outra artimanha recorreria o criativo ministro, para não ser levado ao Tribunal de Justiça da União Europeia, por incumprimento da correlata Directiva 1999/70/CE?»
    In “Público” de 15.3.23

    Nós professores, não podemos delegar o nosso futuro, a nossa vida, não podemos vender a nossa consciência, demonstremos o nosso carácter perante tanta manipulação, perante tanta insídia, perante tamanho embuste, perante tanta injustiça.

    Temos de ser nós, e tem que ser agora!

    De uma vez por todas, dêmos uma bela lição a quem age de ma-fé num jogo viciado, nos ilude e nos continua a mentir.

    Tem que ser agora! Cada um de nós!

    João Costa e o seu ME precisam de uma bela lição, deixemos nós agora arrastar o processo de incumprimento da Directiva 1999/70/CE, deixemos que o Tribunal de Justiça da União Europeia actue em conformidade.

    Nós professores, não podemos pactuar com tanta iniquidade e falta de seriedade.

    Que nem um só dos contratados concorra a esta miserável artimanha da vinculação dinâmica. Como é possível, num país da União Europeia, no ano 2023, implementar um diploma monstruoso que obriga a escolher entre a profissão e a família!

    QUE NEM UM SÓ DOS CONTRATADOS CONCORRA À VINCULAÇÃO DINÂMICA!

    Organize-se um grupo de acção, implemente-se um movimento de mobilização.

    Atingimos o nosso estado limite. Já perdemos o medo.

    Conservamos a nossa honra de homens e mulheres.

    Executemos uma acção consequente.

    Tem que ser AGORA!

    Gritemos bem alto: BASTA! É DEMAIS!

    • João Santos on 17 de Março de 2023 at 21:57
    • Responder

    Quem nem coragem tem de escrever com o seu nome vai fazer o quê?
    Parabéns pelo texto Paula.

      • PTC on 18 de Março de 2023 at 18:15
      • Responder

      Caro João Santos,

      Peço-lhe que respeite o caminho dos outros, linear ou complicado que seja, porque cada um tem uma história para contar.

      Também cada um de nós tem a própria história para contar.

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