Ser professor? Com muita honra e orgulho, apesar de tudo…
Mais de quatro décadas após ter iniciado funções docentes, chegou o momento da aposentação, envolto num misto de encanto/desencanto, mas também de esperança.
Encanto, pela experiência inolvidável de exercer uma profissão que era socialmente respeitada e incontornável no processo de construção e desenvolvimento de um país democrático. Não fui para professor por vocação, mas acabei seduzido e conquistado por uma profissão que influencia todas as outras. Como foi gratificante contribuir para a formação de milhares de jovens que reconhecem o papel determinante da escola e dos professores no seu processo de socialização e preparação para o mundo do trabalho e para o exercício da cidadania!
Desencanto, pelas sucessivas e inoperantes políticas educativas, reformas e contra reformas que, idealizadas em gabinetes, eventualmente por quem não era ou não gostava de ser professor, e operacionalizadas por algumas estruturas intermédias subservientes, procuravam evidenciar um suposto sucesso do sistema educativo com dados estatísticos que não contemplavam uma avaliação da qualidade do sucesso escolar.
Profundo desencanto, pelas crescentes políticas demagógicas e pela inconcebível estratégia maquiavélica que conseguiu dividir a classe docente, colocando professores contra professores, nas próprias escolas, nos diferentes níveis de ensino ou no ensino público, particular e cooperativo, minimizando até o facto de se poderem perder os professores, desde que se ganhasse a opinião pública, como ainda se continua a verificar com alguns políticos imprevidentes.
Profundo desencanto e revolta, pelas condições desumanas a que têm estado sujeitos tantos colegas que, por amor a uma profissão que escolheram, são obrigados a viver, ao longo de décadas, numa permanente instabilidade laboral, financeira e familiar.
Os professores têm razões de queixa (individuais e coletivas), quando são vítimas de situações degradantes e indignas, as quais deverão ser publicamente denunciadas. Também fui ostracizado pela ambiguidade da lei, então vigente, por ter decidido transitar do ensino oficial (após ter sido colocado em 6 escolas diferentes, em regime de deslocação) para uma escola particular e cooperativa, com contrato de associação, ao abrigo do art.º 70.º do Decreto-lei n.º 553/80, de 21 de novembro. Pretendia estabilidade familiar para que as filhas pudessem ter uns pais (professores) presentes, um direito que tem sido negado a tantas crianças, num país que se diz defensor de políticas natalistas e protetoras da infância!
Quando regressei à escola pública, fui obrigado a cumprir um período probatório, com aulas assistidas por avaliadores externos, “para ser verificada a capacidade de adequação do docente ao perfil de desempenho profissional exigível”, ou seja, as competências científicas e pedagógico-didáticas necessárias para que a nomeação provisória se pudesse converter em nomeação definitiva e poder reiniciar a carreira docente e um posterior ciclo de reposicionamento. Este período probatório foi realizado depois de já ter cumprido 36 anos de serviço efetivo, como professor profissionalizado, com mestrado e doutoramento em área específica de lecionação.
Foi neste contexto de encanto/desencanto que, 44 anos depois, requeri a aposentação. Decidi que o meu último dia de aulas seria passado na escola, mas em greve, um ato simbólico e solidário com os colegas que haviam acordado de uma aparente letargia anestesiante. Finalmente, os professores voltaram a encontrar na razão, união e resiliência a justificação e força para a sua luta. Voltei a sentir orgulho em ser professor (continuo a lecionar, em regime de voluntariado, numa Universidade Sénior), com redobrada esperança e com a certeza de que nada ficará como antes.
O passo mais importante já foi dado: voltar a unir e mobilizar os professores, como primeiro passo para uma luta que se enquadra bem no espírito do 25 de Abril e no âmbito das comemorações do cinquentenário da Revolução. Paradoxalmente, alguns sindicatos também já “aderiram”! Os professores estarão disponíveis para explicar que demagogia não é sinónimo, mas a negação da própria democracia. E se continuarem a ser adotadas estratégias legítimas e transparentes, que também contemplem medidas que visem atenuar os efeitos da greve no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, os restantes intervenientes educativos acabarão por compreender e reconhecer a justeza e oportunidade deste movimento reivindicativo.
Os professores querem fazer parte de uma escola onde a qualidade da educação, o respeito e o mérito prevaleçam, definitivamente, sobre a mediocridade, a burocracia e o oportunismo, uma consequência da progressiva degradação da escola pública. Neste contexto, há uma via para inverter, a médio/longo prazo, o estado atual a que se chegou: investir, a curto prazo, no sistema educativo e na dignificação da carreira docente.
Ser professor, valeu a pena? No final do 1.º período letivo, os meus alunos do 11.º ano viram o filme “O Clube dos poetas mortos”. Precisava de avaliar o seu impacto em jovens com a idade de alguns dos principais protagonistas, mas a viver no século XXI, o que não foi possível por falta de tempo. Sem mais aulas previstas, ainda consegui encontrar um espaço para me despedir dos alunos. Durante a breve conversa, observo que uma das alunas subiu para cima da mesa, um gesto logo seguido pelos restantes colegas da turma (sem exceção)! Fiquei sem palavras, mas com a certeza de que a mensagem havia passado, que também havia contribuído para a criação de um verdadeiro “Clube de poetas vivos”, que os alunos querem e merecem ser felizes e que, afinal, parafraseando o grande poeta, tudo vale a pena se…
Prof. Teodoro da Fonte
3 comentários
“Os professores querem fazer parte de uma escola onde a qualidade da educação, o respeito e o mérito prevaleçam, definitivamente, sobre a mediocridade, a burocracia e o oportunismo, uma consequência da progressiva degradação da escola pública.”
Aí está algo de extrema importância nacional pelo qual se deve subir para cima da mesa!
É muito mau, quando alguém se retira de uma profissão desencantado por verificar a progressiva degradação de que a escola pública tem vindo a ser vítima e. se lembra de outros tempos em que a mesma era digna e respeitada.
Eu não!! Ser professor sem nenhum orgulho e sem nenhuma honra!!! Já para aí há uma década!