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Reflexão Sobre a Marcha de 14 de Janeiro

Estive ontem, na marcha pela educação, em Lisboa. Também estive em 2008. Tal como estive, em 2013, no Porto (contra a TROIKA).
Foi uma manifestação bonita, emocionante. Um mar de gente, de todo o país.
Enquanto íamos percorrendo a A1 percebíamos que os autocarros cheios de professores eram às centenas. Vimos também muitos automóveis com cartazes (provavelmente professores que já não conseguiram lugar nos autocarros.
Mas esta manifestação foi, efetivamente, diferente de todas as outras.
Os professores não foram agentes passivos. Fomos nós que, em cada escola, organizamos a ida a Lisboa. Contratamos os autocarros e pagamos a viagem. E foi assim em todas as escolas, em todo o país.
Esta manifestação foi organizada pela base da pirâmide. Os sindicatos tiveram de vir atrás dos professores.
Vi também vários diretores de agrupamentos na manifestação, acompanhados pelas suas equipas. Sim, porque os diretores também são professores.
Na manifestação, não se viam bandeiras de sindicatos, viam-se cartazes feitos em casa, onde se expressavam os sentimentos dos professores. Muitos bem originais: Um que dizia “sou escuteiro a sério”, outro com “Não vamos parar, habituem-se”, são só dois exemplos.
A manifestação de ontem foi o culminar da expressão do sentimento que se vive nas salas de professores das escolas. Um sentimento de indignação em relação ao que se vai passando no país, de revolta pelo desprezo com que somos tratados pela tutela. Mas, desta vez, os professores não se conformam, não se resignam.
E quanto mais o ministro riposta, mais fortes e unidos estamos.
Tinha uma enorme consideração pelo Doutor João Costa. Estive em muitas reuniões com ele enquanto secretário de estado (enquanto fui diretora de um agrupamento). Achava que ele é que devia ser o Ministro. Fiquei feliz quando passou a sê-lo. Mandei-lhe, inclusivamente, uma mensagem a congratulá-lo.
Mas, tem sido uma deceção.
Foi preciso os professores estarem em greve à quase um mês para ele marcar uma reunião.
Onde está a proximidade e a compreensão com os docentes?
No tempo da pandemia eram só agradecimentos aos professores, que revolucionaram a escola (e as suas vidas) para chegar a casa de todos os alunos e não deixar ninguém para trás. Onde está esse reconhecimento?
Será que a tutela acha que acalma os ânimos e a revolta dos professores quando manda parar os autocarros para lhes revistar as mochilas? Somos professores, não somos arruaceiros. Na bagagem levávamos o desânimo e desalento pela forma como temos sido tratados, bem como alguma esperança pela mudança… e umas sandes.
Será que a tutela acha que acalma os ânimos e a revolta dos professores quando questiona a legalidade da greve? O 25 de abril deu-nos esse direito inquestionável. Só se fala nesse assunto agora, porque a greve dos professores está a fazer mossa.
Será que a tutela acha que acalma os ânimos e a revolta dos professores quando na Madeira e nos Açores o tempo de serviço foi integralmente contabilizado para efeitos de progressão na carreira e no continente não foi?
Será que a tutela acha que acalma os ânimos e a revolta dos professores não eliminando as vagas de acesso ao 5º e 7º escalões?
Será que a tutela acha que acalma os ânimos e a revolta dos professores enquanto os concursos de professores não forem feitos apenas pela graduação profissional, eliminando de vez as prioridades?
Será que a tutela acha que acalma os ânimos e a revolta dos professores enquanto a Mobilidade por Doença for feita nos moldes em que foi este ano letivo?
A redução da dimensão dos QZP é apenas a ponta do icebergue. Estamos a lutar por muito mais do que isso. No entanto, parece que a tutela não quer ver isso. Parece estar em negação.
Deve ser assim que se sentem os condutores que vão em contramão nas autoestradas. Pela sua perceção só eles é que estão certos e todos os outros estão errados. É isto. É um erro de perceção.
A democracia começa na escola. Não há escola sem professores.
Vamos lutar pela democracia.
Escrevi mais do que o que tencionava, mas o texto foi fluindo. Há dias assim.
Sílvia Marques
Professora de Matemática

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5 comentários

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    • Mic on 15 de Janeiro de 2023 at 19:16
    • Responder

    O texto foi fluindo porque e indignação é muita.
    Muito bem!

    • Carla on 15 de Janeiro de 2023 at 19:27
    • Responder

    Parabéns, colega pela forma como expressou o seu sentir, é com certeza o de muitos de nós depois do que vivemos ontem! Acrescento, apenas um agradecimento a todos os que nos que nos deram voz, figuras públicas, outros que embora discretamente também estiveram presentes, ao Grupo dos Professores em Luta e finalmente à equipa deste Blog.. Sem vós não era possível. OBRIGADA

    • Lucinda Pereira on 15 de Janeiro de 2023 at 20:17
    • Responder

    A foto por si só, indica de quem é o erro de perceção e, nomeadamente, de perceção política.

    • Alex704 on 15 de Janeiro de 2023 at 21:08
    • Responder

    Obrigada colega pelo seu texto.
    Sim, esta manifestação tinha de se dar; depois da de 8 de março de 2008 em que fomos 100.000 com toda a função pública a manifestar-se no Terreiro do Paço.
    Até aí conseguiu-se que apenas que se acabasse com o cargo de Professor/a Titular criado por Maria de Lurdes Rodrigues
    Com Nuno Crato, o PSD, cria a avaliação por quotas.
    Senti que durante a governação de Pedro Passos Coelho apenas nos manifestámos no Porto e em Lisboa em setembro de 2012 contra aTroika. Greves, manifestações de reivindicações nada. Tudo estava “bem”.
    Em 2012 conheci o estimado colega Santana Castilho e sigo-o até agora.
    Comecei a escrever no Fb na minha página que criei a minha página “Criar um Sistema de Ensino público digno” e criei também em 2015 a página “Portugal: reestruturação económica e cultural”, assim como nos meus nos meus comentários em 2013 na página “O meu quintal” a perguntar sobre a satisfação do que se passava na Educação/ Ensino público, no SNS e no Sistema Judicial Português.
    Sensibilizei a Pro-Ordem e os sindicatos a fazermos manifestações de reinvindicações. Nunca recebi resposta, claro está. Alguém estava a aproveitar-se, mas tudo calado.
    Sou defensora da Ordem dos Professores desde 2002, sendo que em 2018 solicitei orientação para criar a Ordem e enviaram-me os documentos legais via email, mas fui aconselhada que ainda não era o momento certo. Criei em dezembro de 2022 um inquérito para a criação da Ordem e de três sindicatos no norte, centro e sul à semelhança dos Médicos. Apenas a página dos Professores Contratados no Fb aceitou a minha publicação.
    Isto aqui que escrevi é para vos dizer que estou orgulhosa que as manifestações com as reivindicações tardaram, mas consegui que fosse escutada e se organizassem duas manifestações: 17 de dezembro de 2022 e agora 14 de janeiro de 2023 e as greves.
    Moral: desistir, nunca.

    • António II on 15 de Janeiro de 2023 at 21:37
    • Responder

    Concordo. A organização, os transportes, os cartazes, foi tudo organizado pelos professores nas escolas, revela que estamos juntos, somos nós mesmos, nós somos sindicatos de nós mesmos, sabemos lutar sem os cordelinhos da FENPROF e da FNE!. Talvez o nosso mal até aqui foi termos acreditado e até manipulados por grandes estruturas sindicais, cheias de ideologias e interesses partidários e que, no fundo, não se demarcam do sistema e servem-se de nós para alimentar o seu próprio ego. Se refletirmos bem, a FENPROF e FNE até hoje não fizeram nada por nós, caso contrário não estaríamos como estamos. Que andaram a fazer estes sindicatos? Uma montanha que pariu um rato!

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