Agora que em Portugal se começa a discutir o acesso dos professores em início de carreira ao quadro de escola, deixem-me começar por falar de Earl Grey. Sim, Earl Grey, o famoso chá inglês de presença obrigatória onde quer que estejamos em terras de Sua Majestade. Este chá é um veneno, pelo menos para este que vos escreve, constantemente presenteado com o mesmo aquando das minhas primeiras entrevistas em solo britânico em meados de 2007. Misturado com leite, o seu efeito pérfido é exponenciado nas entranhas do entrevistado, acometido de um caso grave de moléstia das salinas com a consequente derrota finda a entrevista e as respectivas mãos atrás e à frente para tapar as vergonhas de quem ainda não tem emprego. Se prescindir do dito chá foi estratégia essencial para o sucesso, já as entrevistas nas escolas são desde sempre ponto obrigatório para quem procura exercer o ensino em solo britânico. E não, a candidatura directa às escolas não me foi imediatamente óbvia, ou não tivesse sido o Job Centre, vulgo Centro de Emprego, uma das minhas primeiras paragens na esperança de um sistema centralizado que, afinal, não existe nem nunca existirá numa terra cada vez mais liberal e onde a iniciativa privada se reflecte na resposta dada à chegada: “Vá à ”net“ e contacte directamente as escolas”. Esta é a verdade ainda hoje, onde a cada escola se atribui um orçamento em função do número de alunos mais a autonomia para a contratação dos respectivos professores e auxiliares sem que para isso haja qualquer intervenção do estado ou do município ao qual a escola pertence. A intervenção do estado, a existir, ocorre caso a escola falhe uma inspecção, inspecção essa recorrente em média a cada 4 anos. Fora isso, e cumprindo os objectivos definidos no currículo mais o ultrapassar dos obstáculos anuais inerentes à população escolar em mãos, de resto sobejamente conhecidos por qualquer docente, a cada escola é dada a liberdade e responsabilidade de por si só decidir o melhor rumo para as suas crianças. E se a estabilidade do corpo docente é uma premissa fundamental, no entanto a atribuição de um lugar no quadro a um professor em função de uma entrevista não é a regra. Basicamente porque ao professor cabe mostrar os seus galões, o seu valor e experiência numa nova escola e diante de alunos que nunca foram os seus. Até hoje. Nesta lógica, a atribuição de contractos anuais como primeiro passo é mais comum, sendo ainda mais comum a contratação de um professor a uma empresa de recursos humanos, professor esse pago à semana até prova em contrário. Não confundamos, no entanto, os contractos semanais com precariedade laboral. Chamemos-lhe antes liberalismo ou a liberdade da parte do professor e da escola em terminar o vínculo no prazo de 24 horas caso qualquer uma das partes assim o deseje. Se esta é uma prática comum? Não é, e poucos foram os exemplos vistos ao longo de já 15 anos de carreira. Por um lado porque às escolas interessa assegurar a estabilidade do corpo docente e por outro porque quem procura trabalhar em ensino já tem incutido o brio e o sentido de dever quando o público alvo são as crianças. E como dar prova do nosso valor é inerente não apenas ao ensino britânico mas à sociedade em redor, pede-se ao trabalhador o investimento de um ano e meio, em média, para fazer parte do quadro de uma escola, isto num sistema alicerçado na meritocracia e onde ao professor se dão as condições, a carreira e a estabilidade para formar o amanhã. Em Portugal, nos antípodas desta realidade, facilmente precisamos de trinta, ou mais, anos para entrar para um Quadro de Zona Pedagógica. Nestes termos, permitir agora o acesso dos professores ao quadro de uma escola não é apenas justo, é justíssimo. E não só para quem está em início de carreira mas para quem está no meio e no fim sem esquecer a devida ascensão na carreira em função dos anos exercidos. Os mesmos anos tidos em conta quando entrei para o quadro de uma escola britânica apesar de nunca ter leccionado no Reino Unido: bastou a apresentação da devida documentação e respectiva tradução certificada. Porque em primeiro lugar está a justiça social, a equidade, a equiparação mas também o reconhecimento, a integração, o ser colega e não mais estar de passagem. E a consequente união da classe docente. E o sistema inglês? Será o seu exemplo digno de implementação em Portugal? Nem pensar, pelo menos para já, e um passo de cada vez. Se a autonomia das escolas e a livre contratação de professores são exequíveis, em primeiro lugar está a tão desejada estabilidade laboral, a base da pirâmide de Maslow. Tudo o resto pode esperar.