24 de Junho de 2022 archive

“Por favor, ajudem-me” – Carlos Santos

“Por favor, ajudem-me”, este é o grito mudo de socorro de muitas crianças que diariamente se sentam nas nossas salas de aula, nos gabinetes de psicologia e pedopsiquiatria, nos bancos dos tribunais, ou num qualquer banco, mesmo ali ao nosso lado.
Enquanto sociedade irresponsável temos deixado as crianças invisíveis desprotegidas à mercê de monstros. O caso desta menina, a Jéssica, alegadamente raptada, submetida a torturas constantes e assassinada, é só mais um de muitos que vão surgindo por todo o país e que são negligenciados. Crianças deixadas à sua sorte, porque quem deveria fazer alguma coisa, não o faz… porque não há interesse político em as salvar, porque elas não votam, não contam.
Monstros que cometem atrocidades e continuam sempre à solta, porque a justiça quase nunca faz o que lhe compete.
É desalentador saber que nós, enquanto sociedade, nada fizemos para evitar que isto acontecesse.
No fundo, estas crianças, logo à nascença começam a pagar uma pena pela culpa que lhes atribuem por terem vindo ao mundo. A culpa é dos pais que têm os filhos conta a vontade, filhos que aparecem por acidente depois de andarem enrolados uns com os outros e que depressa se tornam num estorvo, numa carga de trabalhos e são obrigadas a cumprir uma pena de maus-tratos só por terem nascido. Teria, alegadamente, sido o caso desta menina que, apenas com um mês de vida, já estava sinalizada.
Mais do que negligência parental, este foi mais um caso grosseiro de negligência social, negligência institucional e humanitária, que permitiram que alegados criminosos espancassem durante seis dias uma criança inocente até à morte e uma mãe não lhe prestasse auxílio prolongando aquele terrível sofrimento.
Contudo, o falhanço foi de todas as instituições que permitiram que este crime monstruoso acontecesse.
O que fez uma ineficaz CPCJ para deixar esta situação arrastar-se até este triste desfecho?
Onde esteve a segurança social que, supostamente, deveria acompanhar de perto famílias como esta?
Para que serve o Ministério Público que quase só se entretém com casos de crime de colarinho branco e esquece tantos outros de maus-tratos infantis e violência doméstica?
E o tribunal de menores para que serve, se é lento e inoperante como no caso dos abusadores e violadores de crianças que saem quase sempre em liberdade?
O que fez a comunidade que não acionou uma simples queixa telefónica ao Instituto de Apoio à Criança?
Onde tem estado toda esta gente – agora tão indignada – que tem assistido ao repetir de tantos casos como este permitindo que continuem a acontecer?
Tantos cúmplices por inoperância e tantos coniventes por deixar que o crime se faça.
Esta é a sociedade falsa com imensos pais que, em vez de educar, conversar e dar atenção aos seus filhos, demitem-se das suas responsabilidades parentais preferindo delegar essa responsabilidade na escola. Um povo que, de tão ocupado que está em cobiçar e avaliar criticamente o desempenho, o vencimento e férias dos professores, não vê nem quer ver o trabalho invisível que estes empreendem, fundamental na vida de imensas crianças e jovens. Esta tal população, que se acha impoluta e no direito de estar constantemente a julgar os docentes, é a responsável por maus-tratos físicos e psicológicos aos seus filhos que, diariamente, as escolas sinalizam e tentam resolver.
O que não faltam são casos em que os professores têm de socorrer de alunos vindos de famílias (de todos os estratos sociais) desestruturadas, com crianças abandonadas dentro das suas próprias casas. Crianças órfãs de pais vivos, abandonadas no seio das suas próprias famílias por pura negligência. Crianças sem acompanhamento é um dos fenómenos cada vez mais comuns nas famílias atuais, perdidas dentro de casa, entregues aos ecrãs de um televisor, um jogo de computador ou à internet do seu telemóvel – isso também é abandono, isso também é negligência parental, isso também são maus-tratos. Pais que, se tivessem de prestar contas a um patrão, seriam imediatamente despedidos por incompetência e irresponsabilidade. Pais que passam mais tempo com frivolidades satisfazendo o vício dos jogos de computador, nas redes socais, a ver em direto reality shows, resmas de novelas ou bola e o compêndio de debates sobre a mesma, do que com os filhos com tempo de qualidade, a acompanhá-los e a dialogar com eles.
Na verdade, muitos deles nunca foram pais, ficaram-se apenas por meros progenitores. Pobres das crianças que têm a infelicidade de nascer no seio destas famílias. Uma negligência que não conhece estatuto social ou económico, raça nem cor. Há muitos animais na natureza que são muito melhores do que os humanos, sacrificando-se pelas crias, arriscando a vida por elas estando sempre por perto para as proteger.
Quantos dos nossos alunos não estão em grande sofrimento psicológico sem que os pais se deem conta disso?
Quantas vezes não são vítimas de violência psicológica dentro do próprio lar?
Quantos não são vítimas indiretas da violência doméstica entre os pais?
Quantos não são armas de arremesso em tantos processos de divórcio, de vingança e de custódia?
Quantos não são vítimas de violência física ou sexual?
Creio que, mais do que a fome do conhecimento, é nas escolas que as crianças vão matar a fome de solidão e «lamber» as suas feridas. Crianças para quem a escola representa o seu último refúgio e o professor, a única pessoa a quem podem recorrer e em quem confiar. Os docentes fazem um trabalho social importantíssimo, colmatando as imensas falhas de uma sociedade malformada e irresponsável, o qual não é publicamente reconhecido. Por isso, o desconsolo dos professores que sentem que deveriam ser mais protegidos, mais apoiados moralmente e com mais recursos para ajudar mais estas crianças e verem reconhecido todo este trabalho pelos pais e pelo ministério da educação, primeiros-ministros e presidentes da república que nunca tiveram uma verdadeira palavra de apreço pelo trabalho relevante que fazem. Têm sempre tempo para elogiar desportistas e nunca o têm para uma palavra de consideração pelo trabalho dos professores… a não ser para os desclassificar e criticar.
Este é o país onde se anda a pagar a peso de ouro juízes que pouco ou nada fazem. Um país onde a justiça é injusta visto a maioria das acusações não darem em nada. Faça-se o que se fizer, quase sempre se sai ilibado ou com pena suspensa. O poder político assim o induz para que as prisões não fiquem demasiado cheias nem deem despesa.
Tanta violência doméstica com filhos e mulher a fugirem só com a roupa do corpo, enquanto o agressor fica em casa, uma vez que, quando a vítima apresenta queixa, é enviada de volta para casa para junto do agressor. Depois, naturalmente, aparecem os números de mulheres maltratadas e assassinadas que representam uma vergonha nacional num país em que se anda com grande orgulho por causa de alguém que vive do pontapé na bola ou a treinar jogadores, mas se esconde para debaixo do tapete a imensa violência familiar que vitimiza os mais fracos.
Se fossem crimes financeiros, já se mexiam, mas como é de violência sobre crianças ou mulheres, ignora-se.
Tal como acontece em muitos outros casos, a autópsia revelou que esta criança morreu vítima de tortura depois de grande e prolongado sofrimento diante dos olhos de uma comunidade que sabia e virou a cara para o lado. Foi ignorada e só se lembram dela depois de morta para aumentar audiências televisivas e vender jornais, alimentar salários de comentadores e dar proveito aos inúteis dos partidos. Usada em vida e usada depois de morta, nada mais. Um povo parasita, mercantilista e farsante que não merece as nossas crianças.
Tantos lamentos, tanta gente a tentar se ilibar das suas responsabilidades, mas, o que é indisfarçável, é que a criança morreu sem auxílio e, como sempre, tudo ficará na mesma na terra da indiferença. Morreu sozinha, abandonada e desprotegida como estão tantas outras crianças neste momento sem que ninguém as vá salvar.
Não me restavam dúvidas de que existem tantas leis, tantos institutos e instituições, tantos organismos, tanta gente, tanta burocracia, tanto dinheiro, tantos «tachos», mas tanta falta de interesse e de capacidade para salvar as nossas crianças.
400 euros foi o preço da vida desta criança de entre tantas outras que aos nossos olhos não valem nada.
Tenho a sensação de que, mesmo com estas descomunais nuvens negras que pairam no céu a caírem sobre as nossas cabeças, esta sociedade hipócrita continuará indiferente a dormir descansada debaixo do seu céu perpetuamente azul.
Esta foi mais uma de muitas crianças que se sentaram ao nosso lado a pedir socorro… e que nós não ouvimos nem fizemos nada.
Carlos Santos

Link permanente para este artigo: https://www.arlindovsky.net/2022/06/por-favor-ajudem-me-carlos-santos/

Eliminação da cotas para progressão aos 5.º e 7.º escalões novamente rejeitada

 

O PS e a IL votaram contra as três propostas a votação.

Continuamos na LUTA…

Link permanente para este artigo: https://www.arlindovsky.net/2022/06/eliminacao-da-cotas-para-progressao-aos-5-o-e-7-o-escaloes-novamente-rejeitada/

A escola e a viola – José Afonso Baptista

 

A minha tia Narcisa apaixonou-se pela sua escola onde foi colocada na sua juventude, e onde permaneceu até ao limite de idade. O mais estranho é que era uma escola numa aldeia periférica de Vila Velha de Ródão, a dois quilómetros da sua residência, que ela fazia a pé, ir e vir, todos os dias. Adorava fazer aquele caminho pela encosta da serra, entre o arvoredo verde, com vistas deslumbrantes, e sentia que era esta caminhada de ar puro que lhe dava força, vida e resistência. Com a idade, poderia ter ocupado a vaga na escola central da Vila, a escassos metros de casa, mas era ali, na pequena aldeia, que estavam os seus amores, as suas crianças, a população que a adorava, pela dedicação com que se entregava aos filhos dos outros, preenchendo o vazio dos filhos que não teve. Revivi com a minha tia o que era uma boa escola primária.
A tia Narcisa era casada com o meu tio Chico, chefe da estação de caminhos de ferro de Vila Velha, o irmão mais velho de meu pai. Moravam numa bela residência sobranceira à estação e tinham uma vida confortável no plano financeiro. Dois vencimentos, sem filhos, tinham um bom nível de vida. Mas vim ao mundo para lhes dar sorte: no ano em que nasci, saiu-lhes a taluda de natal. E aprendi aqui a diferença entre pai e tio.
De vez em quando visitava os meus tios, casa grande, o quarto onde dormia já era o meu quarto, com belas vistas sobre o rio Tejo. Um dia, já próximo do fim da licenciatura, a minha tia desafiou-me a passar o dia na sua escola com as suas criancinhas. Hesitei, receei, mas acabei por aceitar. Surpresa! A escola da minha tia, em termos de organização e funcionamento, era o retrato fiel da minha escola numa aldeia distante, no tempo e no espaço.
Se eu tivesse de indicar a escola mais eficaz entre as muitas que frequentei, apontaria sem hesitar a minha escola primária, agora replicada na escola da minha tia, porventura com algumas melhorias. Eficácia significa elevado nível de competências dos alunos, excelentes resultados escolares.
Uma turma, uma professora, quatro classes, a rondar ou mesmo ultrapassar os 50 alunos. Quais os segredos do sucesso? Essencialmente três:
1. O fim da lição, impossível com 4 classes de níveis diferentes;
2. O trabalho centrado nos alunos, individualmente, por pares e em grupos;
3. A disponibilidade do professor para acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos e para acorrer às dúvidas e dificuldades emergentes.
Em síntese: a centração no aluno, permitia ao professor ficar disponível para acudir às necessidades individuais.
No dia que acompanhei a minha tia Narcisa na sua escola, julguei que ia apanhar uma seca, mas não, ela era uma mulher prática, simplificou tudo: cumprimentou, apresentou-me e passou-me a palavra para cumprimentar. Tudo rápido, que o tempo é curto. Deu início aos trabalhos, os programas de atividades estavam definidos em quatro colunas no quadro, uma para cada classe, todos leram, não havia dúvidas. Deu um tempo para que as crianças se concentrassem nas tarefas, propôs-se acompanhar a 3ª e 4ª classes e pediu-me para acompanhar as duas primeiras.

A tia Narcisa tinha um modo muito interessante de combinar o trabalho individual e o trabalho por pares e por grupos. Naquele dia, para a 4ª classe, tinha previsto uma atividade de escrita de manhã e várias operações de matemática para a tarde. Como atividade de escrita individual, o tema era: “Planifica o teu fim de semana. Pensa no que tens de fazer, no que gostarias de fazer, no que não gostavas de fazer e no que podes fazer. Define o teu programa e justifica as tuas escolhas”. Neste ponto, pretendia abrir espaço à imaginação e ao sonho, em confronto com a realidade, entre o gostar e o poder. Concluída esta atividade, pretendia desencadear a negociação e a conciliação: “Em grupos de 4, cada um apresenta o seu programa, conversam, discutem, a seguir selecionam as atividades de consenso e definem um programa comum”. O programa comum foi aceite e escrito por todos. Se puderem levá-lo à prática, tanto melhor.
Achei esta atividade o máximo. É uma atividade de escrita, mas é sobretudo um desafio à imaginação, à criatividade e à iniciativa; um desafio ao saber estar e saber conviver com os outros; um desafio à cooperação e ao trabalho em equipa. Se a escola não for isto e for apenas uma luta de galos, não é uma boa escola.
O meu diálogo com as crianças das primeiras classes foi tudo menos o que eu esperava. Julguei que ia apoiar na leitura, na escrita e por aí adiante, mas não, não me conheciam e faziam questão de saber quem eu era, as perguntas tinham a ver com a minha pessoa e a minha vida: se eu era filho da senhora professora, ainda se usava a palavra senhora, se eu também era professor, se era casado, se tinha filhos, porque é que ainda era estudante sendo tão “velho”, o que é uma universidade, o que é que se aprende na universidade, se eu era rico… Eu estava desapontado porque afinal não tinha ido ao encontro das aprendizagens programadas. A minha tia, professora de verdade, tranquilizou-me: foi ótimo, puderam falar livremente, satisfazer a sua curiosidade, aprender coisas novas para os guiar no futuro e fugir às rotinas, que os liberta e às vezes é bom quebrar. Adorei acompanhar a minha tia.
O meu tio tinha duas violas, fez questão de me mostrar o seu talento. Achei que só podia tocar uma de cada vez e tive o descaramento de lhe pedir a outra. Foi peremptório, não e não, são recordações que guardo comigo. Nem a taluda de natal chegou para me comprar uma nova. Percebi aí qual é a diferença entre um pai e tio.

José Afonso Baptista

Link permanente para este artigo: https://www.arlindovsky.net/2022/06/a-escola-e-a-viola-jose-afonso-baptista/

O verão do nosso descontentamento

 

Fazia falta parar um pouco para tratar do relatório de avaliação docente.

O verão do nosso descontentamento

 

Link permanente para este artigo: https://www.arlindovsky.net/2022/06/o-verao-do-nosso-descontentamento/

Já não tenho paciência

 

Um diz-me para não ficar doente em agosto (como se alguém ficasse doente de propósito) e não comer bacalhau à brás…

O outro vem afirmar que o povo (arraia miúda) vai fazer um esforço para não ficar doente este verão (como se não o fizesse noutras estações do ano ou pudesse controlar a “coisa”)

Estou eu, para aqui isolado, a ler barbaridades.

Mas parece que ninguém se queixou do preço (22€ a dose) da sardinha no S. João… que ninguém se engasgue com as espinhas que o verão já começou…

 

Link permanente para este artigo: https://www.arlindovsky.net/2022/06/ja-nao-tenho-paciencia/

WP2Social Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
Seguir

Recebe os novos artigos no teu email

Junta-te a outros seguidores: