Saí para esvaziar a cabeça de preocupações e regressei a casa com os bolsos vazios… passara por uma gasolineira. Não sendo exclusivo da profissão, como professores, tortura-nos cada vez mais essa arte de contar o valor a pagar cada vez que vamos encher o depósito de combustível, sobretudo quando esse é um preço pago para podermos ir trabalhar. De resto, a nossa itinerância e instabilidade profissional representa para as gasolineiras e para o governo uma fonte de lucro direto, ou indireto através dos impostos sobre os combustíveis, pelo que, para uns e outros, interessa-lhes que, maioritariamente, continuemos a trabalhar longe da nossa residência. Não bastando serem mal pagos, para poderem chegar ao local que providencia o seu ganha-pão, os professores ainda têm de se submeter a serem roubados.
Face a esta situação, não sei do que hei de falar primeiro, se da indiferença social para com os problemas dos docentes, se do desapontamento face ao egoísmo dentro da própria classe.
Ora, vejamos… Creio ser do conhecimento generalizado o lamento dos professores para com a falta de ajudas de custo para suprir despesas de contexto no exercício da profissão, assim como sobre o excesso de burocracia e de trabalho. Porém, quando surge uma boa oportunidade de minorar alguns destes males, eis quando, uma vez mais, a classe volta a desapontar-se a si mesma.
De entre tanta desgraça, um dos únicos aspetos positivos que a pandemia trouxe para as escolas e para a vida dos docentes, foi a possibilidade de se fazerem as reuniões online. Uma oportunidade que trouxe consigo variadíssimas vantagens: as reuniões tornaram-se mais breves e eficientes; deixou de haver conversas paralelas; os intervenientes possuem consigo (no seu PC ou em casa) toda a informação necessária e aquela que, inesperadamente, possa vir a ser solicitada; sobretudo, os professores que residem longe da escola, não precisam de se deslocar, poupando tempo precioso para estar com a família, economizando despesa em combustível, evitando os riscos inerentes à sinistralidade rodoviária e poupando horas de espera nos furos sem reuniões ou após o horário letivo. Isto já para não mencionar as conjunturas que obrigam docentes com o domicílio muito longe do local de trabalho a se verem obrigados a dormir em casa arrendada ou a deslocação de centenas de quilómetros num só dia, apenas com o desígnio de comparecer numa ou duas reuniões num curto espaço de tempo.
Batemo-nos tanto por termos ajudas de custo para deslocações, mas quando podemos proporcionar que dezenas de milhar de colegas consigam evitar a estrada, simplesmente, ignoramos. Um contrassenso que ajuda a explicar o motivo de já ninguém nos levar a sério.
Acontece que, num momento em que o preço dos combustíveis está mais alto do que nunca, com tendência de subida vertiginosa e com a possibilidade de escassez num horizonte próximo, num cenário em que os governos europeus já apelam aos cidadãos a contenção no consumo de combustível, por cá, não bastando a circunstância de a maioria dos professores terem de se deslocar dezenas ou centenas de quilómetros diariamente (pagando a despesa do seu próprio bolso), ainda somamos 120 mil docentes a cumprirem deslocações para reuniões durante semanas, as quais poderiam perfeitamente ser evitadas.
Não obstante a incongruência de tudo isto, este acréscimo desnecessário de poluição automóvel irá contribuir ainda mais para as alterações climáticas que estão a destruir a passos largos o planeta, causando secas (o nosso país é dos mais afetados), aumento das temperaturas, fenómenos atmosféricos extremos e imprevisíveis, escassez de recursos naturais, insuficiência de alimentos e fome.
Perante esta realidade, andarmos ainda a insistir na insensatez de fazermos reuniões presenciais, configura uma enorme inconsciência social, económica e ecológica, além de ser reveladora da nossa avultada falta de organização, de sentido coletivo e cívico, tão longe dos padrões educacionais e civilizacionais das culturas mais evoluídas.
Mas o palavrório que a classe política dissemina sobre o enorme investimento da “bazuca financeira” vinda de Bruxelas numa pretensa transição digital, somado às milhentas formações que os professores são obrigados a frequentar sobre as novas tecnologias e plataformas digitais, comparadas com este retrocesso no desaproveitamento daquilo que as novas tecnologias podem proporcionar quando precisamos de nos reunir, leva-me a pensar que não faltará muito para regressarmos à redação de atas em papel. Isto é quase como se investíssemos anos numa formação culinária e numa cozinha de «chef» e depois optássemos por mandar vir todos os dias refeições de fora.
Em abono da verdade, bem sei que existe um número restrito de professores que adora reuniões, uns por não quererem ir para casa aturar os cônjuges/filhos, outros por não terem ninguém em casa e ser na escola que encontram ocupação, outros porque têm nas reuniões um dos pontos mais altos do ano para convívio e outros, simplesmente, porque não dominam minimamente as novas tecnologias.
Contudo, é incompreensível que se desperdice o que as ferramentas tecnológicas proporcionam para a eficiência laboral, assim como se desconsidere os colegas de profissão que residem longe da escola e que possibilitaria uma poupança financeira para uma classe tão mal paga e um bem-estar fundamental para aliviar o cansaço e o desgaste profissionais.
Se barafustamos tanto e viramos costas às oportunidades quando estas surgem, então, de quem é a culpa senão de nós mesmos?
Carlos Santos