17 de Outubro de 2021 archive

A nova escola digital – Paulo Serra

Eu sou um burro digital. Não no bom sentido de ser um holograma do animal mas de no inquérito da competência digital ter tido 30 e tal pontos. Desde 88 que não largo os computadores. Gastei fortunas… não sei..uma autêntica fnac de computadores…testei quase todos os programas da revista netsurf. Fui coordenador do nonio sec XXl ainda passavam carroças aqui na rua. Ontem vi uma colega da minha idade aflita a fazer TPC para ser competente digital: conteúdo para uma aplicação streaming. Estava eu quase a dar a ter pena dela quando tive um pensamento negro corroborado pela leitura do texto estatístico sobre o extraordinário número de rubricas a realizar e o tempo que se gasta a fazer por grupo de alunos, turmas, anos, etc etc necessidades particulares /especiais relacionado com as famosas rubricas e q a avaliação formativa obriga. Diz que são milhares de anotações e trabalho permanente.. E eu pensei que uma coisa está ligada à outra: com os preços da gasolina incomportáveis, e não havendo outra maneira de passar o tempo, vamos ter o que resta do fds a produzir materiais didáticos. Como são em stream teremos que montar o escritório 24h na cozinha para ir fazendo a sopa em simultâneo. No fundo uma espécie de era esclavagista não industrial, mas digital. Afinal, ó colegas, entre o comer e o WC o digital era o que faltava.

 

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A falsa quietude de um comprimido…

 

Em Junho de 2020 foi amplamente divulgado, por praticamente toda a Comunicação Social, que Portugal era o quinto país da OCDE que mais medicamentos ansiolíticos e antidepressivos consumia…

 Segundo os dados apresentados nessa altura, bem ilustrativos desse consumo, de Janeiro a Março de 2020 ter-se-iam vendido mais de cinco milhões de embalagens de fármacos das categorias ansiolíticos, hipnóticos, sedativos e antidepressivos (dados do INFARMED, citados na Comunicação Social)…

 Ainda que, frequentemente, se assista à patologização, por vezes excessiva e abusiva, de determinadas reacções e comportamentos, nem sempre elegíveis como manifestações de efectivos transtornos depressivos, de ansiedade ou do humor, também não será prudente ignorar ou escamotear o número astronómico daqueles psicofármacos adquiridos pelos portugueses, num tão curto espaço de tempo…

 E se, por um lado, parece existir uma certa banalização e vulgarização do consumo de alguns psicofármacos no nosso país, por outro, também parece plausível que a pandemia não possa explicar tudo, nem servir como principal justificação para esse tipo de dependência…

 Partindo dos dados anteriores, talvez se possam tecer algumas considerações e fazer algumas inferências sobre a Classe Docente e o consumo dos referidos medicamentos:

 Apesar de não estarem disponíveis estudos de âmbito nacional sobre a caracterização do consumo de antidepressivos e de ansiolíticos por parte da Classe Docente, parece aceitável considerar que um número significativo de profissionais de Educação, em particular os professores, possa ser consumidor habitual e regular dessas categorias de psicotrópicos…

 A principal justificação para a existência dessa expectativa assenta naturalmente no Burnout Docente, sobejamente analisado, reconhecido em inúmeros estudos e conhecido de todos…

A esse propósito, refiro apenas esta conclusão de um estudo realizado a nível europeu, citado pelo Jornal Expresso, em 24 de Março de 2021: “Professores em Portugal são os que revelam maior stress na Europa”…

 Por outras palavras, parece provável que o esgotamento físico, mental e emocional que afecta parte considerável da Classe Docente possa contribuir fortemente para a existência de um consumo acentuado de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos nesse grupo profissional, apesar de não existirem estudos disponíveis de abrangência nacional que abordem especificamente essa temática e que comprovem a hipótese anterior…

 Apesar disso, existe um estudo de âmbito nacional, tornado público pela FENPROF em Outubro de 2018 (Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho na Educação em Portugal), que, entre outros, aborda o consumo de algumas substâncias psicoactivas por parte dos professores, sem especificamente aludir a medicamentos das categorias antidepressivos e ansiolíticos…

 Os resultados desse Inquérito permitiram concluir que 18,7% dos professores tinha pelo menos um consumo preocupante (entre álcool, drogas e medicamentos) e que, nessa vertente, a maior preocupação dos docentes se prendia com o consumo excessivo de medicamentos…

 Ainda que nesse Inquérito não tenham sido identificados os medicamentos que mais contribuíam para suscitar a referida preocupação, inevitavelmente, entre eles, estarão expectavelmente os psicofármacos, onde se incluem antidepressivos e ansiolíticos…

 Xanax, Lorenin, Zoloft, Prozac ou Victan, quantos professores estarão (demasiadamente) familiarizados com estes “palavrões”?

 Quantos professores consumirão de forma regular e habitual tais medicamentos ou outros afins? Dos cinco milhões de embalagens, quantas terão sido adquiridas por professores?

 Quantos professores estarão dependentes de um comprimido para dormir?

E não falo apenas dos que têm acompanhamento médico e que tomam medicação antidepressiva e ansiolítica prescrita por essa via, falo também dos que consomem tais medicamentos por via do “atalho” da auto-medicação…

 De uma forma ou de outra, consumir esse tipo de fármacos até pode atenuar alguns sintomas e proporcionar uma momentânea sensação de bem-estar, mas não debela as causas ou a origem do problema e por isso não o elimina… Na melhor das hipóteses, fica-se “anestesiado”, “adormecido” ou “dopado” e quando, porventura, se “acorda” o problema lá continuará, por resolver… E nessas circunstâncias, o mais comum é entrar-se numa espécie de “círculo vicioso”, do qual é difícil sair…

 Em cada escola, já sabemos, os problemas são sempre muitos, de natureza variada e nunca acabam… Por outro lado, também sabemos que, quase sempre, é muito mais fácil, imediato e cómodo engolir comprimidos do que conseguir dizer Não ou lutar por mudar alguma coisa… Mas é também enganar-se a si próprio…

 Quando reiteradamente se aceita tudo, se forjam “sorrisos amarelos” e se reprimem reacções, temos, muitas vezes, meio caminho andado para a auto-comiseração, para a frustração e para o consumo, meramente paliativo, de determinadas substâncias, legais ou ilegais…

 Melhor do que levar os desaforos para casa, ter a coragem de dizer Não ou de dar alguns “audíveis murros na mesa”, talvez seja muito mais terapêutico e catártico do que “enfardar” medicação e poderá, efectivamente, ajudar a eliminar alguns problemas…

 Em vez de alguém se culpabilizar por se sentir angustiado, ansioso ou exausto, talvez seja mais eficaz e vantajoso começar por estabelecer limites (inultrapassáveis) entre aquilo que é Trabalho e aquilo que é Família, Lazer ou Pessoal… Cumprir escrupulosamente o horário de trabalho é diferente de ultrapassar constantemente esse horário, de não “desligar” ou de abdicar da separação entre as várias esferas da vida…

Desculpas ou pretextos para continuar a incorrer no anterior, cada um poderá encontrar os que quiser, sendo certo que o resultado mais óbvio disso será deixar-se anular, silenciar ou maltratar…

O volume de trabalho incontrolável, sobretudo motivado pelas insanas tarefas burocráticas e administrativas que, na maior parte das vezes, não têm relação directa com a leccionação, só cessará quando se começarem a ouvir muitos Não

 No actual contexto de trabalho em escolas, não há nenhum profissional, seja quem for, que possa considerar-se como insubstituível, convirá talvez ter consciência disso…

Quando alguém morre ou adoece, física e/ou mentalmente, o “período de luto” em relação à perda, quer seja permanente ou transitória, costuma ser curto; rapidamente se esquece esse alguém; e outro tomará o seu lugar, seguindo-se sempre na perspectiva do “the show must go on”

 Escusamos de acalentar ilusões: as escolas transformaram-se em “máquinas trituradoras de pessoas”, sobrando aos próprios eles próprios, no zelo pela sua saúde mental e física. E o resto são “lágrimas de crocodilo” e efémeras homenagens …

Por difícil que seja aceitar, não há (infalíveis e imortais) “Super-Mulheres” ou “Super-Homens”, a não ser na ficção…

 Sem dramas desnecessários, e pelas palavras de Caetano Veloso (Vaca Profana), fica-nos esta “consolação”: “De perto, ninguém é normal”

Mesmo que o conceito de “normalidade” se apresente, muitas vezes, como subjectivo, duvidoso e questionável…

  

(Matilde)

 

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