Se os “abutres” voassem não veríamos mais o Sol…

 

Portugal está cheio de “abutres”, há-os por todo o lado e em todos os quadrantes…

 E, na verdade, não se sabe bem como ainda é possível ver-se o Sol… Talvez seja mesmo porque ainda não voam… Ou melhor, voam, mas “muito baixinho”,  frequentemente em carros de alta cilindrada, quase sempre com motorista; habitam em mansões ou em condomínios muito exclusivos; têm inúmeras contas bancárias sediadas em muitos “paraísos fiscais”, onde não se questiona a origem do dinheiro; enriquecem ilicitamente, roubando o mais que podem; corrompem e deixam-se corromper; traficam influências, no sentido de obterem vantagens indevidas; refugiam-se noutros países, onde continuam a fazer vidas luxuosas, mas deixam milhões de euros em dívida e, sobretudo, não pagam os devidos impostos…

 Essas “aves rapaces” parecem troçar despudoradamente dos contribuintes portugueses, convencidas que estão da sua própria impunidade, alicerçada na inabalável confiança depositada no Sistema Jurídico Português…

 Por via de todos os recursos que podem ser interpostos e de todos os expedientes legais possíveis, e desde que haja dinheiro para o fazer (nestes casos, normalmente nunca falta), o Sistema Jurídico Português permite que decorram décadas até que um processo seja dado como transitado em julgado…

 Em termos concretos, isso pode significar que um arguido que hoje esteja acusado da prática de corrupção, de enriquecimento ilícito ou de branqueamento de capitais possa vir a ser condenado pela prática desses crimes apenas daqui a 20 ou mais anos… E, com “sorte”, talvez as acusações prescrevam…

 Até lá, e se os crimes que hoje lhe são imputados envolverem o ganho ilícito de milhões de euros, poderá continuar a viver faustosamente, alegremente, sem qualquer receio ou pudor de delapidar, como muito bem entender, aquilo que porventura tenha subtraído a terceiros ou ao erário público…

 Terá também muito tempo para se desfazer de qualquer bem material, transferindo para terceiros a respectiva titularidade e daqui a 20 anos, se vier a ser condenado, já não terá em sua posse qualquer bem que possa ser-lhe subtraído como ressarcimento dos danos causados… O confisco e o arresto de todos os bens, até que seja proferida a sentença final, é algo impensável neste país…

 Por comparação, e de forma resumida, veja-se o que se passou nos Estados Unidos da América aquando do “Caso Madoff”, que se constituiu “só” como a maior fraude financeira de todos os tempos: em Dezembro de 2008, Bernard Madoff foi detido, acusado de fraude, e todos os seus bens foram confiscados nesse momento; em Junho de 2009 foi julgado e condenado à pena de 150 anos de prisão… Apesar da complexidade de tal processo, o caso foi resolvido em apenas meio ano, coisa perfeitamente quimérica e irrealizável por cá…

 Aqui, até à sentença final dos muitos Processos similares actualmente em curso, o cidadão comum vai assistindo ao folclore e ao fogo-fátuo, quase sempre de forma muito serena, mas certo de que não terá a mesma sorte se porventura não liquidar atempadamente o pagamento dos impostos reclamados pela Autoridade Tributária e Aduaneira… Ou se algum desses cidadãos “cair na tentação” de roubar um chocolate num supermercado…

Nessas situações, os Julgamentos costumam ser Sumários ou Sumaríssimos e as penas daí resultantes efectiva e rapidamente aplicadas…

 Com advogados competentes, geralmente muito bem pagos, também é possível procurar e encontrar na Lei todos os subterfúgios que permitam adiar, o mais possível, a aplicação de eventuais penas pela Justiça… Mas isso, geralmente, só é válido para os “Grandes Ladrões” ou para “Grandes Vigaristas”…

 Sem querer fazer a apologia do delito ou do crime menor, os “Pequenos Ladrões” ou os “Pequenos Vigaristas” têm que ser muito cuidadosos para não se deixar apanhar porque, se assim não for, não terão outra saída que não seja pagar efectivamente pelos crimes que possam ter cometido…

  O Sistema Jurídico Português permite apanhar nas “teias da Lei” os “pequenos criminosos”, mas não os “Grandes Ladrões” ou os “Grandes Vigaristas” que, com toda a desfaçatez e petulância, conseguem, quase sempre, romper essa “teia” e escapar à mesma…

 Não existe Estado de Direito sem os Princípios da Presunção de Inocência e do Contraditório, mas, no momento actual, começa a ser verdadeiramente vergonhoso e nauseante assistir, recorrentemente, à narrativa da proclamação dessas duas normas, tendo como principal objectivo o indulto ou o “branqueamento” das acções criminosas cometidas pelos “abutres” criados pelo próprio Regime…

 O ar está irrespirável, fede, e a abjecção, sob a forma de baixeza ética e moral, comanda… Os poderes e os “poderzinhos” instalados um pouco (ou muito) por todo o lado minam qualquer tentativa de instituir a transparência ou a justiça…

 E as escolas não são disso uma excepção…

 À imagem do país, em muitas escolas as suspeitas também proliferam, apesar de aí serem quase sempre expressas em surdina e de não terem a visibilidade dos Processos mais mediáticos: suspeita de favorecimento por “amiguismo”; suspeita da existência de algumas formas de “clientelismo”; suspeita de perseguições pessoais; suspeita de pressões ilegítimas, com diversas finalidades; suspeita das mais variadas estratégias que, em alguns casos, permitem contornar a Lei; suspeita da existência de delatores e de “prémios” para delatores, sem qualquer pudor em denunciar aqueles que discordam do “status quo”; suspeita da existência de “caça às bruxas”, com sanções, mais ou menos perceptíveis, aplicadas àqueles que são considerados como adversários; ou suspeita de caciquismo e de autoritarismo…

 Assente na sabujice e na obediência acrítica, o servilismo floresce, sempre pronto a legitimar todas as decisões…

Quando dá jeito a alguns, alega-se com a importância de cumprir a legislação e adopta-se a perspectiva “legalista” ou “ultra-legalista”, mas quando tal não é conveniente até se pode ignorar a sua aplicação, elegendo-se, em vez disso, uma postura mais provinciana patente neste tipo de afirmação: “Eu é que mando”…  

“Tudo bons rapazes” (ou raparigas), que sabem muito bem como capitalizar em seu favor o silêncio, o comodismo e a indiferença manifestados por grande parte dos que os rodeiam… E, no limite, estes últimos tornam-se cúmplices…

O sentimento de impunidade desses “rapazes” ou dessas “raparigas” advém disso, convirá não esquecer…

 Cometendo a “ousadia” e o “sacrilégio” de contrariar (só um bocadinho) J.P. Sartre, direi isto: O inferno também somos nós, o inferno não são só os outros…

 A esse propósito, estas palavras de Martin Luther King parecem elucidativas: “O que me preocupa não é o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem carácter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons”.

 E isso apesar de “os bons” parecerem estar, cada vez mais, em risco de extinção…

 (O título deste texto foi inspirado numa conhecida afirmação de Pi de la Serra, Cantor Catalão…).

 

(Matilde)

 

 

 

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10 comentários

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    • Alecrom on 1 de Agosto de 2021 at 10:01
    • Responder

    Caramba,
    Matilde on fire😃!

    • António on 1 de Agosto de 2021 at 10:14
    • Responder

    Concordo! Pobre país, tal mal governado, onde reina a corrupção, o amiguismo e o parasitismo, em que só há dois partidos políticos e quando ganham é sempre com maioria absoluta (ou perto dele)!

    • Luz da Verdade on 1 de Agosto de 2021 at 13:18
    • Responder

    Luz da Verdade,
    Excelente artigo a que falta o subtítulo, quando se fala no Ensino ou nas Escolas:
    …ou, num Agrupamento/Escola perto de si!
    Nunca se esqueçam que o exemplo vem de cima, e é pela cabeça que o peixe apodrece!
    Questão adicional:
    Gostava que me explicassem melhor, ou me fizessem um “desenho”, sobre a Lei da Proteção de Dados, aprovada na AR e promulgada pela sua Excelência, o PR.
    Comparem a elevada adesão às primeiras eleições democráticas a seguir ao 25 de abril de 1974 com os altos níveis de absentismo nas eleições nacionais nos últimos anos?

    • Ninguém on 1 de Agosto de 2021 at 14:02
    • Responder

    O problemas é que os “bons”:
    1- não estão onde é preciso (por exemplo entre a classe política … ou não seriam bons);
    2- têm medo de agir … porque são bons;
    3- sentem-se impotentes face ao poder e impunidade dos “maus”;
    Apenas quando os bons tiverem perdido tudo para os maus é que terão coragem de agir. E nessa altura será que poderão continuar a ser chamados “bons” ?!!!

      • Alecrom on 1 de Agosto de 2021 at 14:43
      • Responder

      Para além do nosso partido de Estado,
      o PS,
      não esquecer os partidos dos chamados arcos de governação, lol:
      CDS,
      PCP e BE,
      estes dois últimos preponderantes há 10 anos para cá (6/10) e nos próximos 50 ou 60 anos.

    • Armani on 1 de Agosto de 2021 at 15:31
    • Responder

    Pois realmente o gajo do espírito santo tinha problemas mentais.

    • Politicamente Incorrecto on 1 de Agosto de 2021 at 15:52
    • Responder

    Se os filhos da puta voassem nunca veríamos o sol…


    1. Deve ser por isso que as aves não têm dentes.

    • Rui Manuel Fernandes Ferreira on 1 de Agosto de 2021 at 15:55
    • Responder

    Parabéns à Matilde por trazer à discussão tão importante fenómeno. Aliás, tem sido sempre assim.

    Sobre o silêncio dos “bons”, a complexidade e a dinâmica que caracteriza o fenómeno acaba por justificá-la, cada um com o seu preço e a seu tempo:

    “O poder da ideologia dominante é indubitavelmente imenso, mas isso não
    ocorre simplesmente em função da força material esmagadora e do correspondente
    arsenal político-cultural à disposição das classes dominantes. Tal poder ideológico
    só pode prevalecer graças à vantagem da mistificação, por meio da qual as pessoas
    que sofrem as consequências da ordem estabelecida podem ser induzidas a endossar
    “consensualmente”, valores e políticas práticas que são de facto absolutamente
    contrárias a seus interesses vitais. Nesse aspecto, como em vários outros, a situação
    das ideologias em disputa decididamente não é simétrica. As ideologias críticas que
    tentam negar a ordem estabelecida não podem mistificar os seus adversários pela
    simples razão de que não têm nada a oferecer — por meio de suborno e de
    recompensas pela acomodação — àqueles que já estão bem estabelecidos em suas
    posições de comando, conscientes de seus interesses imediatos tangíveis. Por isso, o
    poder da mistificação sobre o adversário é um privilégio da ideologia dominante, e
    só dela.”
    (MÉSZÁROS, 1996, pp. 523-524; in DUARTE, N., 2001).

    Terrível que é ter esta consciência, não é?

    • João on 2 de Agosto de 2021 at 11:26
    • Responder

    Não vejo nenhum “silêncio dos bons” na altura de votarem. Como foi referido, nos EUA a coisa funciona de forma bem diferente. Esta impunidade é mesmo uma coisa portuguesa. …

    As Leis em Portugal estão construídas para não haver justiça nos tribunais. Nas ultimas décadas (com os políticos de PS, sobretudo) foram e estão a ser trabalhadas no sentido de acabar de vez com a justiça nas escolas – a todos os níveis!

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