A sala de aula do futuro – José Afonso Baptista /

A sala de aula é o cenário de um ritual que vem inalterável desde a Idade Média e que tem todo o sentido questionar. Retomo o título de um dos projetos de desenvolvimento que a CM de Condeixa-a-Nova se propõe sufragar (Beiras, 26.07.26, p. 3), pela sua importância e atualidade.
As escolas nasceram no seio das ordens religiosas, nos conventos e mosteiros, que primeiro ensinavam os seus membros e se foram alargando às comunidades. O palco da sala de aula inspirou-se no templo, com o púlpito, para dar visibilidade ao pregador, que fazia o sermão inspirado na bíblia sagrada. O professor fez do estrado o seu púlpito e dá a lição no estrito cumprimento do “currículo único”. Isto fazia sentido quando não havia outras fontes do saber nem outra forma de o transmitir. O algoritmo da escola atual segue ainda os rituais do templo, da missa, do púlpito, do sermão, da bíblia, do evangelho, da confissão, da absolvição ou condenação, tendo no horizonte o paraíso ou o inferno. A escola segue a mesma sequência, com a sala de aula, o estrado, o programa, a lição, as chamadas, os exercícios e os exames, o prémio ou castigo, passa ou chumba.
O mundo mudou mais desde o século XVIII até hoje do que em todos os séculos e milénios anteriores. Passamos por quatro revoluções industriais e a última está aí, ignorada por muitos, a que faz a convergência das tecnologias digitais, físicas e biológicas. Tecnologias que fizeram o milagre de tornar o saber universal e omnipresente, acessível a todos, em casa, na escola, na empresa ou nos serviços. A autonomia dos aprendentes permite questionar a educação, o ensinar e o aprender. A lição e o manual estarão no rol dos vestígios arqueológicos da escola do passado.
O mundo que nos espera deixou de ter paraísos idílicos e seguros. Estamos perante um mundo imprevisível de ameaças ambientais, desde os plásticos que envenenam os oceanos, a subida das águas do mar, as meteorologias extremas, os incêndios que devastam florestas, plantas e a vida selvagem, a falta de água potável e de comida, as fugas massivas de populações às mais diversas calamidades. As crianças e jovens que sentiram as novas tecnologias desde o ventre materno e se interrogam perante todas estas ameaças, compreendem melhor do que muitos professores que nem sempre se deram conta que vivem noutro mundo.
Temos de virar a escola do avesso e questionar se ainda tem sentido falar em lições, aulas, salas de aula, manuais, programas, exames, chumbos.
Temos de substituir a escola vertical, da autoridade e da obediência, pela escola horizontal, onde o diálogo entre iguais e o trabalho autónomo substituem relações de poder desigual. A escola tem de ser um viveiro de democracia real, com o aluno no centro, como sujeito principal da existência e da atividade da escola.
O professor é o conselheiro, observador, orientador, o apoio sempre presente e disponível, que avalia para superar as dificuldades, sugerir caminhos de acordo com o potencial, o talento ou as limitações de cada um, no respeito pelas diferenças. A escolaridade é obrigatória para cumprir o direito de todos à educação. Reprovar e excluir é contrariar esse direito, o caminho certo é orientar de acordo com as potencialidades de cada um.
A escola continua a ser o espaço ótimo para a guarda, o crescimento, o desenvolvimento cognitivo das crianças e jovens, mas é sobretudo o lugar privilegiado da formação da personalidade, através das relações de amizade, de solidariedade, a consciência de grupo e o espírito de entreajuda, favorecendo a cooperação.
Mas a escola situa-se hoje num contexto completamente diferente das suas origens. Internet, digital, computadores, plataformas digitais, videoconferências, podcasts, smartfones, Messenger, WhatsApp (…) revolucionaram os modos de comunicar, de interagir, de investigar, de aprender, de avaliar e de decidir. O professor pode ter na plataforma ou mesmo no computador o retrato fiel e atual do aluno e do seu histórico, com as suas atividades e trabalhos, as suas motivações e o sentido da procura e da descoberta. Neste ponto, o sistema educativo tem de seguir os passos do SNS.
Onde fica aqui a sala de aula? Repetindo Nóvoa, “o melhor professor não é o que mais ensina, mas o que mais faz aprender”. O aprender é onde e quando um homem quiser. O Covid19, neste ponto, foi uma experiência enriquecedora. Termino com Sebastião da Gama: “a aula acontece” com as circunstâncias do momento (citações de memória). Nada garante que haja aulas no futuro.

José Afonso Baptista / diário as beiras | 05-08-2021

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12 comentários

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    • Filipe Dias on 5 de Agosto de 2021 at 11:56
    • Responder

    Simplesmente…excelente…concordo na íntegra…sou Professor que regressou ao ensino recentemente! A escola do sec XVIII morreu e o seu modelo…mas persiste-se em deixá-la ligada à máquina…

    • Celta65 on 5 de Agosto de 2021 at 12:36
    • Responder

    Isso e tudo muito bonito mas sem incutir responsabilidade e obrigatoriedade a maioria dos jovens perde se sem estudar nada e sem se importar. Deixa de haver meritocracia. promovendo se um descalabro nas gerações futuras relativamente ao cumprimento de regras e espírito de sacrifício. Para não falar no baixo nível cultural. Promovendo uma nova sociedade acéfala e facilmente manipulável. Por tudo isso não concordo.

      • sandra on 5 de Agosto de 2021 at 20:07
      • Responder

      Pois eu, Celta65, concordo inteiramente consigo! O retrato da escola “desejável” para os dias de hoje que o texto descreve não passa de uma utopia! Se não houver um certo nível de exigência e responsabilização, nem vale a pena abrir as portas da escola (ou ligar o computador para mais uma aula à distância, pouco importa a modalidade)! A aprendizagem simplesmente não acontece! Vê-se mesmo que o artigo foi redigido por quem nunca lecionou. Mais um teórico…

    • Show nets on 5 de Agosto de 2021 at 12:40
    • Responder

    A essência da escola está no púlpito.
    A alma é a essência!
    Hoje mais que nunca é essencial a alma,: alguém que sabe e ensina quem anda perdido e confuso.
    O professor mais que nunca tem de ser um sábio e não o homem do show off e da pantomina.

    • Alecrom on 5 de Agosto de 2021 at 18:12
    • Responder

    E porquê continuar a chamar-lhe escola?

    “Tecnologias que fizeram o milagre de tornar o saber universal e omnipresente, acessível a todos, em casa, na escola, na empresa ou nos serviços”.

    Continuam a falar em 1.º ciclo, etc. para quê?

    “A autonomia dos aprendentes permite questionar a educação, o ensinar e o aprender. A lição e o manual estarão no rol dos vestígios arqueológicos da escola do passado.”

    E porquê até aos 18 anos?

    Professores????
    O que é isso???

    • Sandra on 5 de Agosto de 2021 at 20:18
    • Responder

    E, outra coisa: que eu saiba, essa ideia de que a escola é um produto das ordens religiosas, não faz muito sentido. Não dizem, por acaso, que os Gregos da Antiguidade Clássica é que deram origem ao conceito de escola que temos hoje? E só em países predominantemente cristãos é que há escolas??? Que piada… Cada um tem direito a ter a sua opinião mas pesquise-se antes de se escrever baboseiras em jornais só porque já é banal enxovalhar mais um pouco os professores.

    • Sousa on 5 de Agosto de 2021 at 21:28
    • Responder

    Caramba, isto é que escrever…apre!!!!

    • Roberto Paulo on 5 de Agosto de 2021 at 21:55
    • Responder

    Lido por um pai de um filho autista: este senhor que escreveu essa baboseira é um idiota.

    • Falcão on 5 de Agosto de 2021 at 22:09
    • Responder

    Lido o texto e só me apetece dizer: a sala de aula do futuro vai ser preenchida por uma cambada de analfabetos e um palhaço a fazer de professor! E podem chamar-me o que quiserem, é para o lado que durmo melhor!

    • Falcão on 5 de Agosto de 2021 at 22:20
    • Responder

    E já agora, só para corrigir o Nóvoa e elucidar o autor do texto: o melhor professor… é o que MELHOR ensina! E o que melhor ensina é o que melhor desperta o gosto pelo saber, o espírito crítico e o rigor científico, é o que melhor potencia as capacidades dos alunos, é o que melhor apoia quem mais necessita desse apoio, é o que melhor fascina e deslumbra os seus alunos, tornando-se memorável, inspirador e inesquecível. É o que muda para melhor as vidas dos alunos, é o que acrescenta valor e valores e os faz HOMENS (e MULHERES, claro está!) e CIDADÃOS de corpo inteiro! E dito isto… o autor do texto só tinha era de agradecer aos SEUS professores e a todos os outros que desempenham a mais nobre das profissões!


  1. E pensava eu que os Aliens estavam no lado oculto da Lua. Afinal já andam pelas beiras.


  2. O artigo tem alguns pontos interessantes onde nos fazem refletir no entanto não compactuo com a ideia de fechar a porta ao passado porque embora algumas práticas já não façam sentido podemos sempre recuperar outras práticas do passado e aproveitá-las. Não diabolizo a escolástica mas também não a idolatro. Este discurso ignora como muitos o facto de existem diferentes idades e maturidades de aprendizagem e para isso requer estrutura, figuras de referência e modelos. Há idades e turmas que precisam desta estrutura vertical e obrigatória e outras idades já estarão prontas para um ensino mais horizontal. É irresponsável fechar uma porta em práticas do passado e acharem que as crianças, alunos e professores já não se compadecem com práticas do passado, verdade, mas a natureza humana não mudou assim tanto, existe sempre uma ligação e há sempre formas do passado que ainda podem ser utilizadas na escola do futuro, não tenho ansiedade nem vergonha do passado e preciso dele para me orientar e construir o futuro. A frase de Sebastião da Gama é tirada fora do contexto e não se aplica aqui. O que Gama pretende dizer é que em todas as disciplinas surgem momentos em que o professor deve dar a palavra aos alunos, escutá-los e de seguida discutir temas horizontais a qualquer ser humano, por exemplo, educação para a cidadania não precisa de ser uma disciplina porque mesmo em matemática há momentos onde o professor pode parar a aula e discutir comportamentos e atitudes que um cidadão deve ter…

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