A espera… Concurso de professores… a lotaria do inferno

Aqui na paragem, os transportadores vão e voltam, enquanto eu aguardo uma vaga para poder, finalmente, embarcar…
Alguém passa e, sorrindo, diz-me “Quem espera sempre alcança”, não obtendo outra resposta que não seja “Quem espera, desespera”. Aqui sentados no banco, todos sorrimos para enganar o nervosismo e aquela pessoa parte para um lugar que desconhecemos povoado de pessoas que nos desconhecem, inebriadas pela imagem distorcida que têm de nós, professores.
Vão passando os anos no tempo que vai morrendo no relógio que tento esconder enquanto, imóvel, permaneço sepultado, esquecido da vida, ancorado nesta falsa esperança.
Vou ficando esquecido nesta longa e interminável espera por algo que poderá nunca vir a acontecer…
A fragrância a erva fresca é já só a réstia de uma longínqua memória numa paisagem outonal que encheu a rua de tantos sonhos caídos. Olho para as mãos vazias marcadas por promessas roubadas, revelando-me que os anos passaram como um filme no intervalo da vida que deixei de viver.
Deitei cá para fora o suspiro “Até quando…?”, mas ninguém reagiu como se todos ali presentes partilhassem da mesma angústia… vencidos pelo tempo que nos vai devorando a esperança, consumindo a juventude e nos torna vítimas de um implacável cobrador de sonhos que nos vai fazendo pagar esta espera subtraindo-nos anos de vida.
Tudo passa… as pessoas, os transportadores de sonhos, as horas e o vento de outono que põe à prova a nossa resiliência.
Longe deste frenesim, nas minhas costas há um mundo diferente que me convida a abandonar este banco duro e a rasgar o bilhete sagrado, amarelado pelo tempo, que ainda seguro nas mãos trémulas e a juntar-me aos demais que se deitam no feno ondulante que derrama odores esquecidos, olhando as aves que voam na terra dos sonhos levando-me a ver coisas que nunca vi e tudo aquilo que perdi – toda a vida desperdiçada, mesmo aqui ao lado desta estrada…
Vem-me à memória a longa e exaustiva corrida para alcançar um lugar neste banco de espera com a promessa de conseguir apanhar um lugar… para conseguir apanhar uma mão cheia de nada.
Aproxima-se o anoitecer e eu, estúpido, ainda à espera, tento enganar a certeza de que não haverá mais auroras. Ancorei os pés nesta paragem ainda o dia era uma criança e nunca mais daqui saí.
Na rua, que se transformou num beco sem saída do qual não consigo sair, olho para mais um transportador que se foi embora sem mim e agarro-me à réstia de esperança que ainda me detém aqui, a qual esconde o temor de eu não passar de mais um a vir a ser engolido pela escuridão – essa iminência do anoitecer que evidencia que esta espera se tornou num sorvedor de vida; uma espera que tem vindo a consumir o tempo.
Em breve a rua ficará deserta, exibindo a nudez da verdade que eu sempre me recusei a ver – a criança que um dia se sentou aqui, já não existe – ficou tão longe na minha memória que me tornou noivo da velhice.
A noite encosta-se a mim, debaixo de um céu de chumbo que chora tantas coisas que não aconteceram, que me transformaram apenas em mais um número no meio de tantos sonhos a sangrar neste chão tão longe do céu. Os candeeiros, com um esforço inglório, atiram luz para afugentar a noite, numa tentativa vã de fazer esquecer que não mais voltará a ser dia.
Temo que, no dia em que, por fim, chegar o meu tão desejado lugar para embarcar, eu já cá não esteja… vencido pela vida, pela espera, pela desesperança.
De consolo, resta a sensação de vitória sobre a noite na certeza de que, se for engolido por ela antes de embarcar, esta espera não terá sido em vão – ficarei em todas as vidas que consegui tocar que me tornarão imortal.
Assim é a vida de um professor nos dias de hoje… eternamente à espera da chegada do bilhete sagrado que, ao fim de uma vida de trabalho, finalmente o devolverá à sua família… muitas vezes, um lar que não será mais o mesmo. O restituirá a uma família ausente, com os filhos crescidos – longe da vista e fora de casa – e um amor ferido pela distância e pela saudade.
O chiar dos travões desgastados detêm o transportador de sonhos que, ofegante, fica imóvel deitando um bafo quente na paragem. Abre-se a porta e ecoa pela noite fria o grito com o código da lotaria do inferno que condiz com o meu nome. Na ausência de resposta fica um banco vazio de mim, onde unicamente resta um bilhete envelhecido, onde ainda se consegue ler a frase de propaganda desbotada “Um dia há de chegar a tua vez…”
Carlos Santos

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6 comentários

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    • Luluzinha! on 19 de Junho de 2021 at 16:36
    • Responder

    Este estilo de discurso tão “poeticamente” agridoce já não convence! Muito cansativo e pouco original, na verdade!

      • Pandora on 21 de Junho de 2021 at 0:03
      • Responder

      Que sorte a sua Luluzinha… Deve estar a lecionar a 5 minutos de casa.
      Eu estou a lecionar a mais de hora e meia de casa (tendo já estado bem mais longe), e a aguardar colocação perto há 20 anos, bem como para efetivar. Já é desesperante.

      • Joana on 21 de Junho de 2021 at 23:26
      • Responder

      Se não tinha nada de simpático para dizer, mais valia ter ficado pelo silêncio. Empatia minha senhora, empatia e bom senso.

    • Leão da Estrela on 20 de Junho de 2021 at 8:18
    • Responder

    Podemos não gostar da prosa, mas caramba, bem lá no fundo vislumbramos a nossa “alma gémea”


    1. Concordo.

    • Caos on 22 de Junho de 2021 at 14:58
    • Responder

    Também podemos gostar da prosa… Eu gostei muito.
    Há situações e sentimentos que não são transmissíveis literalmente. Dá-me a sensação que os professores, atualmente, são muito literais e incapazes de se descentrarem de si mesmos, dos seus contextos subjetivos. Somos incapazes de nos colocarmos no lugar do outro, algo difícil quando estamos a sofrer, mas radical para quem quer ser professor. O outro é um eu que não eu para quem eu sou ou outro…

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