O país que prefere as ilusões
No início desta semana, o JN noticiou que, neste período de confinamento e de ensino a distância, “cerca de 17 mil alunos têm aulas presenciais”. Esta afirmação comporta vários problemas. Mas, passados três dias, não reparei que a afirmação tivesse gerado incómodo, muito menos o sobressalto cívico que causaria num país onde as políticas públicas e a Educação se levassem minimamente a sério. Ora, o ponto é que essas oito palavras do JN contêm três problemas: uma incorrecção, um motivo de preocupação e uma conclusão.
Primeiro, a incorrecção: não há 17 mil alunos em aulas presenciais. O que há, na larga maioria dos casos, é alunos fisicamente nas escolas de acolhimento, mas a ter ensino a distância. Subsiste uma diferença substantiva entre isso e aulas presenciais. Para esses alunos, os identificados como sendo os mais frágeis entre os frágeis, a solução possível foi acolhê-los em escolas, de modo a providenciar condições materiais e de apoio ao ensino a distância. Já é algo, mas permanece muito menos do que o necessário.
Isto não é uma crítica a esse tipo de apoio, que para milhares de crianças será a diferença entre zero aprendizagem e alguma aprendizagem — seja por razões educativas ou sociais e emocionais. É uma crítica ao Estado por não conseguir montar ensino presencial efectivo para os alunos que realmente necessitam, no actual contexto. E é uma crítica a uma confusão discursiva (ensino presencial vs. estar fisicamente na escola) que vigora no espaço público há semanas (outro exemplo aqui). O facto é que o Estado não foi capaz de providenciar escola em presencial que fosse para além de um ensino a distância deslocalizado, com as consequências educativas que daí advêm. E semear ilusões semânticas não ajuda a resolver problemas reais.
Segundo, o motivo de preocupação: 17 mil alunos nas escolas de acolhimento é mesmo muito pouco, uma pequena gota no oceano. Para o perceber, basta conhecer os dados estatísticos e cruzá-los com a informação partilhada pelo ministro da Educação (nesta entrevista, a partir de 1h33). Dos 17 mil alunos mencionados, cerca de 7 mil são os filhos de profissionais de serviços essenciais. Mas cerca de 5 mil desses 17 mil alunos são crianças ou jovens com necessidades educativas especiais, ou seja, que carecem de terapias e apoios especializados que as famílias não conseguem prestar. Ora, no sistema educativo, serão cerca de 87 mil alunos com este perfil (dados 2018), pelo que apenas 5,7% estará neste momento a ir presencialmente à escola.
A tradução destes números é que os alunos desfavorecidos que as escolas acolheram neste período são a mera pontinha do icebergue. E isto não é uma crítica ao trabalho das escolas ou das CPCJ. É, antes de tudo, um lamento. E é, depois, uma crítica a quem se contenta com estes números residuais ou os usa para tentar minimizar os danos do encerramento das escolas — alegando que os mais desfavorecidos estão salvaguardados. Não estão. Essa é uma ilusão perigosa.
Resta então a conclusão: entre ver ensino presencial onde ele não existe e não reagir aos baixos números de alunos nas escolas de acolhimento, o país preferiu abraçar uma ilusão de sucesso no actual ensino a distância e nas respostas aos alunos mais desfavorecidos — para se convencer de que isto não vai correr assim tão mal. Mas está enganado, vai mesmo correr mal. E o problema já não é só essa ilusão em si mesma, que é ignorante, no sentido em que ignora a longevidade dos danos educativos, da falta de desenvolvimento motor e cognitivo nos mais novos, das patologias mentais e físicas que estão a surgir. O problema, dizia eu, é que essa ilusão servirá também de bloqueio no futuro próximo, quando se exigirem planos de recuperação da aprendizagem. O business as usual não será suficiente. Para responder aos desafios que temos pela frente, será necessária audácia no discurso, ousadia nas soluções e coragem política para colocar a Educação à frente. Impossível? Não tem de ser. Mas certamente que o será enquanto o país estiver entorpecido com ilusões.
9 comentários
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Um cretino, será sempre um cretino! E um cobarde será sempre um cobarde! Quando fala em coragem política, no final do texto, convinha explicar… para quê? Eu sei o que ele quer… mas diga-o, sem rodeios. Força! Numa palavra: o que ele defende é que os professores são os responsáveis por todos os males, que deviam ser obrigados pelo governo a trabalhar mais, ainda mais, muito mais, até em tempos de férias e interrupções letivas e sempre e mais ainda! É essa a coragem política que ele acha que falta ao governo! Desminta-me se for capaz!
Mais um execrável “especialista” em educação.
Concordo em absoluto com a reflexão feita no texto “O país que prefere as ilusões”!
Na turma que leciono de 1.º CEB pelo menos dois alunos em dezanove deveriam estar na escola, mas em ensino e aprendizagem presencial. Não foi o entendimento das chamadas lideranças. Porque as crianças não estão sinalizadas pela CPCJ, porque o encarregado de educação não é trabalhador em funções consideradas prioritárias e porque consideraram que se “abria uma exceção”! Ora, se soubéssemos todos quantas crianças se encontram em circunstâncias semelhantes teríamos mais uns milhares de norte a sul do país! O que, sinceramente, não compreendo. Só este exemplo, uma mãe não pede a declaração à entidade patronal (embora pudesse) com receio de que, vindo para casa acompanhar o menor, o patrão não lhe renove o contrato de trabalho que está agora a chegar ao fim. O menor fica com mais três irmãos em casa. São quatro, dos seis aos dezoito anos. Um, prepara-se para exames nacionais de 12.º ano e o menor dos quatro vai sendo intermitente nas sessões síncronas. Não consigo trabalhar com ele. E vou adivinhando as enormes limitações ambientais à sua aprendizagem.
O/A Falcão, escreve uma apreciação umbiguista , precipitada e desconsiderante. Ninguém escreve sobre a quantidade de professores sem turmas (apoio educativo e artigos 79.º do ECD) que podiam, muito provavelmente, estar nas escolas e, em vez de meramente ao lado dos alunos, como alguns que conheço, enquanto assistem num monitor à sessão síncrona da professora titular, trabalharem os conteúdos em comunidade de aprendizagem com quem fica à sua responsabilidade. Cada um de nós pode e deve fazer mais e melhor pela escola que é de todos e que devia ser para todos, com experiências educativas de qualidade. Com ou sem confinamento.
Se há professores sem turmas, ocupem-nos, se há alunos que precisam de ser mais e melhor apoiados tratem disso, com os recursos disponíveis (e outros que o governo COM TODA A CERTEZA irá contratar para as escolas, bastará só pedir), mas não venham confundir a árvore com a floresta. O que estes cientistas da Educação ultra-mega-neo-liberais pretendem é “escravizar” os assalariados e, especialmente, os funcionários públicos. Ponto final parágrafo! O resto é tanga e conversa para boi dormir! O que mais adoravam era poder despedi-los a seu bel prazer, para contratar de novo com vínculos precários e horários ainda mais carregados (como é apanágio dos colégios privados). Só não vê isto quem não quer ver, ou finge que não vê; no fundo, os que dizem concordar em “absoluto”, ou andam a dormir, ou fazem o jogo do poder neo-liberal. Mas já agora, se está realmente preocupado com os seus alunos, vá para a escola trabalhar com eles, pode ser ao fim de semana até, os cientistas da Educação aplaudiriam! Dê o exemplo e chegue-se à frente! Se a Direção não deixar, vá a casa dos alunos, combine com os pais, ou então contacte o cientista da Educação, ele terá uma boa solução! Ou peça um gabinete na 24 de julho, devem estar muito desocupados…
Eu também concordo “em absoluto” com o autor do texto (pessoa coerente, com a qual discordo em muita coisa, e que, pelo que vejo, põe muitos em polvorosa. Têm de se habituar, lol.).
Delicioso: “O facto é que o Estado não foi capaz de providenciar escola em presencial que fosse para além de um ensino a distância deslocalizado, com as consequências educativas que daí advêm. E semear ilusões semânticas não ajuda a resolver problemas reais”.
Falcão e Zaratrusta, habituem-se 😅😅😛😝😝😝😝!
A democracia tem destas coisas, lol.
Há mentes fantásticas: “ensino a distância deslocalizado”😃.
Falcão, Zaratrusta… habituem-se!
A esquerda beatopatriótica deixou de ter o monopólio da imprensa/da palavra.
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“Habituem-se” diz o azémola do Alecrom! Habitua-te tu a seres enxovalhado por esta gentalha se ninguém se lhes atravessar no caminho. Eles sabem bem o que querem, mas há uma coisa que é certa: estes cientistas da Educação nunca puseram as patas numa sala de aula do ensino básico ou mesmo secundário! São doutores à distância, escrevem e vomitam sem nunca terem dado o exemplo! E estás enganado, eu não sou de esquerda, habitua-te a perceber que nem todos os que reagem ao neo-liberalismo selvagem têm de ser de esquerda! Isso é um mito, até porque a esquerda consegue ser tão ou mais anti-democrática que a direita, não há apenas santos de um lado e pecadores do outro, há muito que sei disso! Eu não sou é parvo, nem me deixo comer de cebolada! E não me calo, perante estas investidas de lobos com pele de cordeiro, que são muito coerentes, é verdade, mas coerentes em quererem proletarizar cada vez mais os professores, mas nem a coragem têm de escrever com todas as letras, preto no branco, ao que vêm! Não tenho nenhum respeito intelectual por este tipo de gentalha!
Para terminar, “habitua-te” a uma coisa: “Roma não costuma pagar a traidores”, tem cuidado, espero que te paguem à peça, não dês nada por garantido!
Falcão, eu sei que é importante “descontruir” as falácias destes pseudo-cientistas da Educação mas gabo-lhe a paciência que demonstra ao responder aos comentários destes professores madresteresas.
Sinceramente nunca percebi se estes professores madresteresas são mesmo assim de nascença ou se tudo o que dizem e fazem é resultado das sucessivas lavagens cerebrais que o Minsitério (e Sindicatos…) há muito nos andam a aplicar.
Caro KT,
O que me parece é que estes Alecrom’s (para não referir o velho Pardal) que por aqui andam, nem professores são. Não passam de agitadores, provocadores, sempre prontos a tudo para satisfazer “a voz do dono”. São basicamente uns ladradores, abanadores de caudas, eunucos cívicos. E acho mesmo fundamental que para cada um destes paspalhos se ergam pelo menos 2 ou 3 professores que lhes destapem o focinho! Não tenho mesmo pachorra para estes ditos professores, sempre dispostos ao servicinho sujo! Vão bardamerda! E levem com eles os doutores da Educação e os seus desígnios de privatizarem a Educação!
Alecrom,
És muito fraquinho, nem para dares graxa serves! Deixa-te lá de idiotices e “habitua-te” a seres comido de cebolada. Ahhh, espera… já estás habituado! E gostas 🙂