Os números da COVID-19 baixaram e as vozes levantam-se para que as escolas abram o mais depressa possível. Ora bem, a pressa sempre foi a maior inimiga da perfeição e um desconfinamento nestas circunstâncias poderá acelerar um futuro confinamento provocado por uma nova vaga de infeções.
As escolas, embora não sejam, está mais que provado, um local primordial de transmissão da doença, são um vector a ter em conta. A maioria dos casos de infeção entre a comunidade escolar tiveram o foco da infeção fora da escola. Os casos de surto dentro do meio escolar deram-se em pequena escala e rapidamente foram controlados. A palavra que se tem passado ao público é que as escolas são um lugar seguro. São tão seguras como um qualquer outro lugar onde alguém infetado pode entrar pela porta da frente e transmitir a doença a alguns, muitos ou poucos, que as frequentam.
As escolas prepararam este ano letivo tendo em conta os vários cenários que poderiam ser despoletados pelo evoluir da pandemia no país. O Ministério da Educação passou a mensagem que, embora, o ensino presencial fosse para privilegiar, outros tipos de ensino deveriam estar planeados para entrar em funcionamento se necessário. A DGS emanou um conjunto de orientações para que, dentro das escolas, a segurança sanitária fosse mantida. As escolas fizeram a sua parte. Fasearam horários de funcionamento de todas as suas valências deixando esgotadas as possibilidades de reorganização sem estender o período diário de atividades escolares a fatores externos como o transporte escolar, organizaram trajetos, reorganizaram salas de aula (dentro do possível da arquitetura de cada estabelecimento), implementaram as regras de convivência, de uso de máscara, de distanciamento (sempre que possível), mantiveram procedimentos que trouxeram da experiência acumulada no ano transato. Tudo o que estava ao alcance das escolas foi cumprido ao detalhe possível. Mas tudo isto não chegou. Das regras implementadas dentro das escolas, a única que podemos, ainda, levar em consideração é o uso de máscara por parte dos alunos do 1.º Ciclo, mas é uma medida que traz ao de cima a maturidade das crianças para que o façam da forma correta. As escolas não falharam, foi a sociedade e a prevenção que falharam e levaram a escola ao extremo.
As escolas voltaram a fechar, todos sabemos as razões porque tal aconteceu. O SNS não aguentava a pressão de ter toda uma sociedade em movimento. Avisos houve de que a situação pandémica iria ter uma curvatura ascendente preeminente, mas a urgência não se focou em atuar gradualmente levando ao encerramento drástico de todos os níveis de ensino.
Os números divulgados sobre a transmissão nas escolas estão feridos pela não divulgação oficial baseados em dados. Custa a acreditar que apenas 800 turmas tenham fechado durante o primeiro período. Num universo de 811 Agrupamentos de Escolas do país, a média de turmas encerradas é de menos de uma 1 turma. Numa comunidade de cerca de 1200 alunos fecharam 9 turmas durante o primeiro período e 6 turmas nas três primeiras semanas de janeiro, noutra comunidade as turmas em isolamento profilático foram em tal número que chegaram a estar 6 turmas, de uma escola do 1.º Ciclo, em simultâneo, “fora”. Se estabelecermos uma proporção a nível nacional os números serão bastante diferentes. Se a DGEstE, que possui uma plataforma de monotorização atualizada a partir de meados de novembro, divulgar os dados inseridos pelas escolas ter-se-á uma verdadeira noção do que se passou durante o período de regime presencial. Por isso usar dados que não podemos comprovar não pode ser argumento para a reabertura apressada das escolas.
Qualquer professor de História ensina aos seus alunos que necessitamos conhecer plenamente o passado para enfrentar o futuro, qualquer futuro. Esta é a primeira razão pela qual as escolas não deverão reabrir antes de uma avaliação ponderada dos riscos e da elaboração de um plano para a sua reabertura baseada em dados científicos e na experiência adquirida com as decisões que produziram efeitos desejados e indesejados. A prudência deverá ser a palavra a usar no processo de planeamento da reabertura das escolas, a precipitação levará a uma revisão inadequada dos cenários que poderão daí advir.
Outro dos fatores preponderantes para a não reabertura das escolas é a capacidade de organização da testagem em massa que se quer implementar. Serão necessários mais recursos humanos, a organização das testagens na comunidade escolar, a reorganização interna das escolas para a implementação desta medida, reforço das equipas da Autoridade de Saúde local e contratação e constituição de equipas de testagem.
O regresso às atividades letivas presenciais deverá ser realizado, unicamente, quando as condições sanitárias deem um sinal de confiança à sociedade. Dados das duas últimas semanas são animadores, mas os especialistas avisam que nada está garantido. A incidência de casos teve uma queda abrupta, mas o SNS ainda se encontra sobre uma grande pressão, principalmente nos cuidados intensivos, onde a doença obriga a permanências prolongadas dos doentes. A capacidade de resposta do SNS, está diretamente ligada à reabertura das escolas e é um dos mais importantes fatores a ser tido em conta. O SNS tem de readquirir a capacidade de resposta adequada para que a sociedade possa voltar a abrir.
As escolas só deverão reabrir quando a comunidade científica assegure, com toda a certeza, que estão reunidas as normais condições sanitárias e que o risco, a curto prazo, da escalada de infeções esteja num horizonte distante. O regresso, neste momento, iria transmitir a toda a sociedade uma falsa sensação de segurança que poderia trazer mais malefícios do que benefícios.
As escolas irão reabrir, mas as condições têm que ser asseguradas e para isso é necessário um plano. Esse plano não pode falhar.
O faseamento do regresso às atividades letivas presenciais é um fator que pode permitir uma avaliação entre a reentrada de um nível de educação/ensino e outro. A reabertura das escolas por ciclos de ensino, com intervalos de pelo menos 15 dias de diferença para permitir uma análise da evolução/regressão seria o ideal para podermos atuar com tempo. Se necessário, por concelhos, dependendo do risco. O ensino secundário poderia recomeçar as atividades presenciais pelo último ano, ficando o 10.º e 11.º anos em regime misto durante período igual de tempo já referido.
Muitos selecionam a perda de aprendizagens e a evolução a várias velocidades dos alunos nas suas aprendizagens como uma das razões para que o regresso às atividades letivas presenciais seja o mais rápido possível. Saberão eles que os professores implementaram nas escolas a inclusão e a flexibilização das aprendizagens? Qualquer professor faz ajustes à avaliação e ajustam os conteúdos ao ponto de entrada dos alunos. Assim sendo a recuperação das aprendizagens de qualquer aluno está protegida contra os malefícios do Ensino a Distância.
Com a vacinação atrasada pela falta de cumprimento de contratos com as farmacêuticas que as produzem, a vacinação da comunidade educativa, professores e pessoal não docente, com alguma urgência é uma utopia. Pode até criar uma sensação, perigosa, de segurança.
O regresso ao ensino presencial é um objetivo pretendido por toda a comunidade educativa. Os professores sentem-se muito mais realizados profissionalmente, os alunos aprendem e consolidam conhecimentos com mais facilidade. Mas, embora todos queiram voltar, todos sabem que só deverão voltar quando os cientistas e especialista avaliarem esse regresso como sendo em segurança.
O regresso à escola, é uma luz no fundo do túnel, mas para atravessar este caminho ainda faltarão mais umas semanas.
Um estudo revelou que a maioria da população (82%) entende que se deve manter as escolas fechadas até 15 de março. Numa democracia onde a maioria serve para escolher os seus decisores, também deve servir para escolher a melhor forma como se protege toda uma comunidade educativa.
4 comentários
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Há coisas neste país que fascinam.
Uma delas é a quantidade de pessoas que fala de escolas e que não sabe do que fala.
E que se refere à realidade sem a observar de forma exaustiva.
Somos um país de teóricos, não de empiristas ou experimentalistas.
Por exemplo, hoje li a proposta de que uma forma de desconfinar mais depressa era por metade dos alunos em casa e metade na escola, rodando à semana.
Quem tal sugere não pensa no “como fazer”
Na prática da gestão de escolas, isto poderia ser feito de várias maneiras:
1.Metade dos alunos de cada turma.
2. Metade das turmas de uma escola
3. Metade das disciplinas ou metade dos dias de cada semana, o que bem feito permitiria por professores em casa.
Na opção 1, os professores dariam aulas que, em cada tempo, eram presenciais e online em simultâneo.
Na opção 2, no mesmo dia, teriam aulas online e presenciais.
Nos famosos planos, que as escolas escrevinharam, isto aparecia sob o nome de, “ensino misto”.
E se já lá estava desde há meses porque não foi posto em prática?
Se era boa ideia….
As opções têm todas graves dificuldades de ser realizáveis nas salas de aula concretas, com a net concreta da maioria das escolas portuguesas concretas.
E o obstáculo maior são os PCs velhos…. E a net… .
Vamos ter sempre ao mesmo sítio.
Se, por exemplo, na minha escola, comigo como professor e 4 ou 5 alunos em acolhimento, quando toda a gente liga câmaras e micros, bloqueia, imaginem 17 ou 18 turmas a rodar com os seus professores.
Isto explica por que razão o desconfinamento português nas escolas é tudo ou nada.
Porque o ensino misto foi uma ficção no papel que, quando, em Dezembro, ou antes, houve turmas ou alunos pontualmente em isolamento, se percebeu que não ia funcionar.
E, uma solução funcionar mesmo, deve ser o critério para se ponderar o seu uso.
Nós, professores, “burgueses em teletrabalho” , não estamos a dar aulas à distância porque é cómodo.
Estamos em casa, porque as soluções alternativas “à maneira belga” (que, pelos vistos, está em ensino misto) são inviáveis, na esmagadora maioria das escolas portuguesas.
E, em vez de se arremeter com ideias punitivas a quem trabalha muito e ganha pouco, era melhor fazer o caminho do conhecimento, que faz de alguém especialista em gestão educacional. Estudar escolas, observar o real das escolas e seus processos e recursos e depois propor as medidas “salvadoras”.
PS: eu não estou em casa mas isso não é ponto nesta questão. Aliás, se mais gente for para a escola isso provará experimentalmente o meu ponto.
Não sei se seria possível um regime misto que englobasse apenas os professores que quisessem realizar os principais momentos de avaliação sumativa presencial, o qual penso ser o principal entrave no E@D. Partindo do princípio que as escolas estão a deixar que os alunos sem possibilidade de ter acesso ao E@D o tenham a partir da escola (creio que 20% dos alunos estão a ir à escola por várias razões, como alimentação e E@D), a questão da avaliação é importante, para assegurar a individualidade, fidelidade e por isso a justiça. Acresce que serviria para saber o real impacto do E@D ao nível do desenvolvimento das capacidades e conhecimentos lecionados durante e com o E@D. Penso que os elementos de evaliação contínua podem ir sendo recolhidos no E@D e confirmados presencialmente na realização de testes de avaliação.
Testes sumativos já não são o principal elemento de avaliação. Concordo que os testes sumativos sejam um instrumento de avaliação mais fácil!!!
E então aquilo a que chamamos aprendizagens essenciais?
https://www.noticiasaominuto.com/pais/1699735/infecciologista-do-santo-antonio-alerta-para-perigo-das-variantes