23 de Dezembro de 2020 archive

Professor hospitalizado acaba de corrigir exames de alunos antes de morrer

Vocação real: professor hospitalizado acaba de corrigir exames de alunos antes de falecer

Neste ano turbulento, pudemos aprender sobre qual é o verdadeiro compromisso de muitos professores que doaram quase 100% à profissão, tentando fazer com que a educação de crianças e adolescentes possa ocorrer mesmo à distância.

O professor Alejandro Navarro, de San Felipe del Río, Texas (EUA), é um daqueles maravilhosos profissionais que deixam lições incríveis não só aos seus alunos, mas a todos os que conhecem a sua história de dedicação ao ensino.

Numa ala hospitalar, antes de ser transferido para as urgências devido a um grave problema cardíaco, Alejandro Navarro podia ser visto com o computador ao colo, entretido na correção dos exames e no trabalho que os alunos lhe tinham enviado.

A filha, Sandra Venegas, usou o telemóvel para tirar a última fotografia do pai, que com cada vez menos energia terminou o trabalho que lhe restava.

A imagem foi partilhada no Facebook no dia 18 de dezembro com uma forte declaração, na qual relata que o pai, sabendo que estaria internado, fez questão de colocar o computador e o carregador na mala para garantir que poderia terminar o trabalho na maca do hospital.

A certa altura, os médicos abordaram-no dizendo que a sua condição estava a piorar e que o seu coração provavelmente iria parar, por isso teria de decidir antecipadamente se preferia uma intervenção com RCP e intubação ou sair em paz.

Sandra lembra-se da preocupação do pai com o trabalho, colocando sempre as necessidades dos alunos à frente das dele. A filha lamenta, diz que desejava que o pai tivesse aproveitado melhor os últimos momentos.

“A última vez que o vi foi na segunda-feira, e ele passou as duas horas que fiquei em casa trabalhando. Gostaria que ele tivesse fechado o laptop e gostado de passar um tempo comigo.”, disse Sandra Venegas no Facebook.

Venegas, que também é professora, fez um apelo para que todos reconheçam o grande esforço que os professores têm feito nos últimos tempos, devido às novas diretrizes na pandemia de COVID-19. Muitos cumprem expedientes dobrados de trabalho, o que demanda muita energia. A sua reflexão termina com a não normalização do trabalho fora do horário de trabalho, porque no trabalho, nada nem ninguém é substituível, mas em casa não se pode dizer o mesmo.

Este é o meu pai Alejandro Navarro, um dia antes de falecer, preocupado em finalizar as notas para os relatórios de progresso. Ele sabia que ia para as urgências por isso arrumou o seu laptop e carregador para que pudesse entrar neles.
Os médicos estavam vindo vê-lo. Eles estavam a fazer testes, eles estavam a dizer-lhe que ele precisava de decidir o que ele queria no caso de o seu coração parar: RCPR e entubação ou para ir em paz. Ele responderia às perguntas e retomava com as notas.
A última vez que o vi foi segunda-feira e ele passou as duas horas que eu estava na casa dele trabalhando. Queria ter fechado o laptop dele e ter gostado de passar tempo com ele.
Professores colocam tantas horas extras, horas que muitos não dão conta. Mesmo durante uma pandemia, mesmo durante uma crise sanitária, os professores se preocupam em cumprir os seus deveres.
Agradeça aos seus professores. Se és casado com um, ajuda-os a estabelecer limites, se és filha / filho de um, não os deixes trabalhar assim que estiverem em casa. Seja gentil com seus professores. ♥️
Professores não vamos normalizar o trabalho depois do horário, não vamos normalizar ficar no trabalho até tarde. Você é substituível no trabalho. Você NÃO é substituível em casa. 💔
Pai, você vai fazer muita falta! Eu amo você!
* Editado para Adicionar: Não imaginava que essa publicação iria chamar tanta atenção mas queria esclarecer, meu pai não faleceu de Covid nem nada relacionado com o Covid.

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Ser professor hoje não é fácil – Vera de Melo Gouveia

Ser professor hoje não é fácil

 

A falta de professores nas escolas de Lisboa foi notícia, mas não é um facto, nem recente, nem restrito àquela região; não sendo novo, tem propensão para piorar e é transversal a todo o país. Entre as reivindicações apresentadas, a greve de professores no dia 11 de Dezembro também visava chamar a atenção para este problema.

Com o 25 de Abril, deu-se uma inestimável expansão do ensino, que se democratizou, perdendo o carácter elitista que o caracterizava. As escolas proliferaram por todo o país para facilitar o acesso de todos à educação, mas a consequente necessidade de contratar professores redefiniu os critérios de admissão para o exercício da docência, baixando o grau de exigência. Na consolidação do processo nos anos seguintes, tornou-se imperioso transferir o foco da questão de mais acesso para o da mais qualidade.

Convergente com a ideia de que o primeiro requisito para ensinar bem é saber bem o que se ensina – o que supõe, não só o conhecimento dos conteúdos, mas também dos seus aspectos metodológicos –, seguiu-se um período em que houve um inegável esforço por parte da tutela na formação dos professores. A partir do final da década de setenta do século passado, as habilitações académicas e as qualificações profissionais do corpo docente vieram progressivamente a melhorar, ao mesmo tempo que se verificou, até 2005/2006, um crescimento do número de professores em todos os níveis de ensino.

Acompanhando estas mudanças, a classe foi também envelhecendo. De acordo com o Relatório Técnico sobre a Condição Docente do Conselho Nacional de Educação, a média de idades do corpo docente, em 2015, situava-se nos 45 anos e, em 2019, segundo a PORDATA, no 2º e 3º ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, por cada 100 professores com menos de 35 anos, havia 1595 com mais de 50.

Esta considerável tendência de envelhecimento pode ser vista como um indicador de estabilidade e de experiência profissional, mas não deixa de ser preocupante, sobretudo, se pensarmos no elevado número de professores que atingirão, nos próximos anos, a idade da reforma. Mais preocupante se torna quando constatamos que, dos jovens que pretendem completar o ensino superior, de acordo com o estudo da OCDE, Effective Teacher Policies, apenas 1,3% planeia tornar-se professor e, na sua maioria, são os alunos com um aproveitamento escolar abaixo da média.

Ser professor não é, portanto, uma carreira aliciante.

E o mesmo estudo identifica algumas das causas que a tornam pouca atractiva e sugere alternativas para as corrigir, sublinhando que os professores são a peça chave para o sucesso dos alunos e que é preciso criar condições para que consigam fazer o seu trabalho.

O ensino sempre foi uma actividade complexa, mas, à medida que a escola foi assumindo uma maior responsabilidade social, o papel do professor tornou-se cada vez mais exigente e difícil, sem que daí lhe advenham as correspondentes contrapartidas. Verifica-se, pelo contrário, um declínio do reconhecimento e da imagem social dos docentes. A incerteza de colocação, que não contribui para que os professores criem um sentimento de pertença em relação às escolas por onde passam, as constantes mudanças e ajustamentos curriculares, a burocracia que extravasa o horário (na maioria das vezes, sem proveito) não tornam a docência propriamente muito apelativa.

No estudo acima referido, uma importante estratégia sugerida para a valorização da profissão passa pelo processo de recrutamento que avalia as competências profissionais dos candidatos e mecanismos de avaliação dos professores. Avaliar e compensar os professores poderá ser uma maneira para atrair os melhores alunos, para ter bons professores.

A apregoada autonomia das escolas deveria permitir seleccionar aqueles docentes cujas competências, características e experiência melhor se ajustassem ao seu projeto educativo; ou estabelecer uma discriminação positiva para quem aceitar o desafio de leccionar nas escolas mais problemáticas.

Apesar das renovadas juras de amor pela Educação em 2017, Portugal acabaria por registar, em 2018, o rácio despesa pública em educação/PIB mais reduzido desde que há registos oficiais, passando a ocupar o 20º lugar da União Europeia, enquanto era 3º, no início do século.

Numa sociedade em que o desenvolvimento económico, social e humano assenta cada vez mais no conhecimento, o progresso do país cada vez mais depende da Educação e o futuro da Educação passa pela existência de bons professores. Ao Governo compete uma reflexão sobre este tema ou então sacudir a água do capote como fez o actual Secretário de Estado da Educação, João Costa, em relação aos resultados dos alunos do 4º ano em Matemática, na avaliação internacional Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS 2019).

As coisas não correm bem? Não olhem para mim que a responsabilidade não é minha. Os culpados? Os do costume. Os que foram Governo e estão agora na oposição.

 

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Se isto não significa que faltarão professores, não sei o que significará…

 

Até 2030 mais de metade dos professores do quadro (57,8%) poderá aposentar-se. Dos 89 925 docentes dos QA/QE e QZP, que em 1 de setembro de 2019 terão 45 anos e mais de idade, 51 983 (57,8%) poderão aposentar‑se num prazo de 11 anos: 17 830, nos primeiros cinco anos, 24 343 nos cinco anos seguintes e 9810 entre 2029 e 2030. Entre os grupos de recrutamento mais afetados por esta saída por aposentação destacam-se a Educação Pré-Escolar (73%); no 2º CEB – Português e Estudos Sociais/História (80%), Português e Francês (67%) e Matemática e Ciências Naturais (62%); no 3º CEB e ensino secundário – Educação Tecnológica (96%), Economia e Contabilidade (86%), Filosofia (71%), História (68%) e Geografia (66%) (Rodrigues et al, 2019). 

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Bravos? Somos, mas não necessitamos de aplausos. Podes ficar com eles…

Ministro da Educação deixa “bravos” às escolas, professores e alunos, mas não responde à oposição

No final do debate parlamentar de urgência pedido pelo PSD sobre educação, Tiago Brandão Rodrigues gastou os seis minutos disponíveis para fazer um cerrado ataque aos sociais-democratas, quer em matéria de educação quer, até, acusando-os de “patrocinar” o partido Chega.

“O PSD traz-nos aqui o que aconteceu entre 2011 e 2015 [período de Governo PSD/CDS-PP], um tempo de querubins e de querubinas, um tempo de serafins e de serafinas. E agora só Lucíferes, Belzebus, entes cornudos que existem por aqui a trabalhar a educação”, ironizou.

O ministro disse não compreender a urgência do PSD neste debate, “por não ver essa ansiedade no país”, e disse ter respondido “a mais de mil perguntas” das 1.252 perguntas que recebeu do parlamento.

“É da mais elementar justiça, o ministro da Educação vir dizer bravo às escolas, bravo aos diretores, bravo aos docentes, bravo aos não docentes, bravo aos alunos e bravo também suas famílias, que mesmo num tempo tão difícil conseguiram erguer em cada escola um espaço de segurança e de confiança”, saudou.

Para Tiago Brandão Rodrigues, a motivação do PSD ao convocar este debate “não foi certamente discutir a educação”, mas “surfar um conjunto de descontentamentos e dificuldades que sempre existem e existirão”

“Gostava de ver o PSD a defender a escola pública, mas o que vemos é o PPD/PSD a aplaudir a intervenção do deputado do Chega”, disse, considerando ter sido notório também no debate desta terça-feira que a ascensão do Chega é “patrocinada por parte do PSD”.

O ministro aconselhou ainda o deputado único André Ventura a frequentar algumas aulas de Cidadania e Desenvolvimento, acusando-o de ter confundido conceitos como casos e surtos que “as crianças conseguem distinguir”.

Às muitas perguntas feitas por todas as bancadas da oposição — sobre número de professores ou pessoal não docente em falta, as discrepâncias dos números oficiais de casos nas escolas e os apontados pelos sindicatos ou os maus resultados em estudos internacionais –, o ministro apenas repetiu o anúncio já feito na sexta-feira de que “mais 260 mil computadores estão a chegar às escolas”, somando-se aos cem mil já disponibilizados.

“As famílias não se deixam enganar, os professores, os diretores não se deixem enganar”, afirmou, pedindo ao PSD para deixar a “chicana política” e “ajudar a construir para que o segundo e terceiro períodos sejam tão positivos como foi o primeiro”.

Na resposta, o PSD acusou o ministro de “indigência inclassificável” e o deputado e vice-presidente da bancada Luis Leite Ramos comparou Tiago Brandão Rodrigues aos “vendedores de feira” que falam durante horas sem dizerem nada.

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A política indecorosa de João Costa no confronto com Nuno Crato – Santana Castilho

Os resultados do TIMMS, divulgados no início deste mês, confrontaram-nos com uma acentuada descida dos resultados dos alunos do 4º ano da escolaridade obrigatória, em Matemática. Numa escala de um a 1000, caímos da posição 541, em 2015, para a posição 525, apurada em 2019. E esta queda é tanto mais relevante se tivermos presente que, desde 1995, é a primeira vez que invertemos uma trajectória sempre crescente.
O secretário de Estado João Costa tem-se desdobrado em narrativas para culpar do desaire as políticas de Nuno Crato. Ora, concorde-se ou discorde-se delas, e eu discordei, muitas vezes com estrondo, essas políticas não impediram que, em 2015, se reforçassem as subidas anteriores (da posição 532 de 2011, passámos para a posição 541 em 2015). Estamos pois em presença de uma perversidade política e intelectual, que não pode passar sem censura.
Os alunos agora avaliados entraram no sistema educativo em 2015. Formalmente, estudaram até ao final do 1º ciclo sob a tutela das metas curriculares, introduzidas em 2013 por Nuno Crato. Formalmente, o “perfil dos alunos”, as “aprendizagens essenciais”, a “flexibilidade curricular” e demais ladainhas pedagógicas falhadas no passado e recuperadas pelo actual Governo, só foram generalizadas, a partir do 1º ano, em 2018/19. Mas, o deslassar da exigência e do rigor foram, desde o primeiro dia, a marca impressiva da actuação de João Costa, construtor primeiro da cultura de desvalorização da avaliação séria e útil dos alunos, que passou a ser proposta.
O TIMSS de 2019 testou alunos que fizeram o 1º ciclo, de 2015 a 2019, sob a égide de João Costa. O TIMSS de 2015 testou alunos que fizeram o 1º ciclo, de 2011 a 2015, sob a égide de Nuno Crato. Eram sobejamente conhecidas as visões pedagógicas diametralmente opostas de um e de outro. Foram agora conhecidos os resultados dos respectivos períodos, o de João Costa em contexto económico de crescimento, o de Nuno Crato em contexto económico de penúria. Ludibriar esses resultados, pintando um arco-íris no que ficou cinzento, é expediente lamentável da “piropedagogia” de João Costa, que removeu compromissos e responsabilidades, sob a bênção ignorante de Tiago Brandão Rodrigues.
Se pusermos de lado as diferentes matemáticas da análise da Matemática, mais do que a descida dos resultados deve preocupar-nos a subida das desigualdades, em correlação estreita com a menorização das orientações curriculares anteriores, a que nunca foi oposto novo modelo estruturado e coerente. Outrossim, fomos tendo um ambiente mais ou menos caótico no que toca à gestão do curriculum, com sinais que se excluíam uns aos outros, num crescendo da espiral de incertezas: os programas e as metas curriculares de Nuno Crato foram coexistindo com as orientações avulsas da Direcção-Geral de Educação; o folclore das “aprendizagens essenciais” e a brincadeira da “gestão flexível do curriculum” puseram cada um a divergir a gosto, sem que nenhum professor sério pudesse saber, em rigor, o que queriam que ele ensinasse, quer no ensino básico quer no secundário. O que o TIMMS de 2019 veio dizer aos futuristas do “perfil do aluno do século XXI” é que, por mais que ensaiem a falsificação da História, começaram a produzir jovens com menos conhecimentos e capacidades que os do século XX.
Já que João Costa aproveitou este ensejo para referir mudanças próximas, fica uma nota final.
No que toca ao ensino da Matemática, diz-me a evidência empírica que nos temos ocupado ora na escolha de conteúdos ora na análise de métodos, para cair, invariavelmente, no mesmo erro monolítico, qual seja o de desconsiderar constatações de há muito, a saber:
– Sendo certo que na terceira infância (6 aos 12 anos) as crianças começam a ser capazes de pensar com lógica, essa aquisição é gradual e a lógica de que podemos falar é predominantemente concreta.
– Só na adolescência (12 aos 20 anos) se começa a desenvolver, mais uma vez com um gradualismo que pedagogicamente não pode ser ignorado, a capacidade de pensar abstractamente.
– Uma espécie de capitalismo cognitivo vem cristalizando o debate, sempre que surgem desaires no ensino, em torno de receitas metodológicas superficiais, que nos afastam da consideração de razões mais profundas: políticas, sociais, económicas, direi mesmo, civilizacionais.
In “Público” de 23.12.20

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