A escola como lugar de entretenimento
Neste Domingo, o Telejornal da RTP dedicou uma reportagem ao balanço do primeiro mês de aulas depois do confinamento, enviando para o efeito uma equipa para entrevistar os pais e alunos de várias escolas Secundárias.
E o balanço é simples e peremptório para os pais entrevistados: o regresso à escola tem sido uma desilusão.
Isto porque, e de acordo com os mesmos pais, estamos a enviar os nossos filhos para um espaço carregado de regras que não deixa as crianças viver o seu dia-a-dia.
O seu dia-a-dia? Interrogo-me, para de seguida ouvir a explicação, ou não fossem os dias das crianças feitos para o convívio, a brincadeira, jogar à bola e a correr.
Acrescentam os mesmos pais a sua indignação pelo facto de a escola não permitir aos seus filhos a vivência da adolescência, supostamente violando os seus direitos como crianças e menores que são, retirando-os do contexto social em benefício do enfoque académico.
Resultado: nem as crianças podem ser crianças, nem os adolescentes podem adolescer.
Estupefacto diante da estupefacção destes pais, diante do écran pergunto-me se por acaso está o mundo virado do avesso?
E o que pensam os pais deste país? Ser a escola um local de recreio para onde vamos essencialmente para socializar?
Ou não será antes a escola um lugar de aprendizagem por excelência?
Sejamos pragmáticos: um aluno que frequenta o ensino Secundário não está senão a frequentar o curso de ensino Secundário.
Aquando do seu término, o aluno trará debaixo do braço um certificado, o certificado do ensino Secundário completo e concluído.
O aluno está, por conseguinte, a estudar, sendo da competência da escola o leccionar dos objectivos das mais variadas disciplinas de modo a dotar o futuro aluno com as competências básicas para, findo o ensino Secundário, enveredar pelo mundo do trabalho ou pela progressão dos estudos.
E se a componente social é inerente aos intervalos e aos tempos antes e depois das aulas, esta não é de modo algum preponderante, não garantido por si só a aquisição de quaisquer habilitações académicas.
Em resumo: as crianças e adolescentes vão para a escola para aprender.
Infelizmente, quando temos pais cuja visão da escola é a de um campo de férias, estamos diante de pais, mas também de filhos e futuros adultos cuja valorização da educação é próxima de zero.
E se o problema é a presente pandemia, ainda menos se entende a indignação de quem já sabe à partida ser a socialização um dos modos de propagação da doença.
Deste modo, não se compreende a sua surpresa diante da rigidez das regras em vigor, regras essas estabelecias para salvar vidas, a começar pelas vidas dos nossos filhos.
Estarão os pais sequiosos de ver nos filhos a adolescência que nunca tiveram? Incapazes de compreender o seu papel de educadores no incentivo da curiosidade e da aprendizagem dos mais novos? Igualmente incapazes de compreender a relevância do seu papel de facilitadores de conhecimento na estreita colaboração com a escola e os professores?
Se um dia fui à escola, tal foi com um único intuito: aprender. E aprender sobre ciências, sobre biologia, ter média para entrar para a faculdade, estudar e aprender.
Parede uma premissa simples, a de se ir para a escola para aprender. Infelizmente, os pais deste país não parecem estar de acordo e até prova em contrário a escola é, e continuará a ser, o local de eleição para o convívio, a brincadeira, para jogar à bola e correr: a escola como lugar de entretenimento, portanto.
Parafraseando Daniel Sampaio, mais de vinte anos depois peço, por favor, inventem-se novos pais!
7 comentários
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Texto amargo e carregado de frustração. Uma criança com conhecimento elevado não tem que ser infeliz e frustrada.
Muito bom artigo!
— Parabéns por esta reflexão que bem diagnostica um dos principais problemas das nossas escolas secundárias, hoje.
— Agradeço ainda ao articulista o seu ESFORÇO DE LUTA CONTRA A ALIENAÇÃO de muitos destes pais dos nossos alunos.
Obrigado.
Excelente texto, carregado de simbolismos que mostram aquilo que somos como sociedade. Para quem pensou no 25 de abril certamente hoje está desiludido com o país. O 25 de abril foi para isto , um país de relaxados que só se importantam com os cristianos ronaldos, big brothers e cristinas ferreiras. Somos ums desilusão
O que o texto evidencia é a necessidade da escola incutir o desenvolvimento de capacidades e conhecimentos. A socialização é inerente ao processo e não a prioridade.
Se a escola fizer isso mais tarde os alunos não culparão os adultos responsáveis pela sua educação, sentir-se-ão felizes por não terem sido enganados.
Plenamente de acordo consigo Tiago
Abraço,
Manuel Pereira
Parabéns pela excelente reflexão!
Muito bem! EXCELENTE, infelizmente.