A culpa é dos professores? – Alberto Veronesi

A culpa é dos professores?

Há vários anos que a classe docente tem sido, sucessivamente, atacada e desprestigiada, de forma continuada, pelos sucessivos governos, sem que tenha sabido reagir convenientemente. Talvez na típica expectativa de que alguém reaja por nós, alguém nos defenda, nomeadamente os sindicatos que, como é sabido, vivem precisamente dos problemas não resolvidos, o core da sua existência.

Demasiado ingénuos, fomos esperando! Assistimos à, talvez, maior vitória dos últimos tempos em 2008 e a partir daí foi sempre em declínio.

O problema está numa postura a que chamo de “professor missionário”. Essa postura foi-se instalando em cada um de nós e, ao contrário do habitual, entranhou-se de imediato. Aos poucos, salvo raríssimas excepções, todos fomos mudando a profissão, passando de professor a missionário, de intelectual a proletário, sem que tivéssemos sentido esta mudança com estranheza. Aceitámos tudo como sendo algo inevitável e como se nada pudéssemos fazer para o contrariar.

Com a pandemia, o professor missionário veio ainda mais ao de cima, eu incluído, por não termos tido tempo de parar para pensar e sobretudo pela imprevisibilidade da situação. Os professores fizeram, com sacrifício pessoal, tudo o que estava ao seu alcance para manter o ensino. Compraram material tecnológico e formaram-se exaustivamente, tudo, apenas, por algumas palmadinhas nas costas e sempre com desconfiança por parte da tutela, particularmente quanto à seriedade de cada um de nós no momento de atribuirmos as notas. E até isso aceitámos sem que ninguém levantasse a voz!

Começámos o ano com condições que roçam o ridículo, com o sentimento de estarmos perante uma inevitabilidade. Tem de ser, ninguém quer voltar ao ensino à distância, todos nós precisamos da sala de aula, da escola, e os alunos ainda mais. É aproveitando esta circunstância, sabendo que os “missionários” se apresentarão ao serviço com muita queixa de corredor, mas sem que nada os faça demover da missão, que o ministério passeia a sua incapacidade.

Todos os governos partem da mesma premissa: os professores sentem o ensino como uma missão e por conseguinte acham que podem tratá-los como um qualquer missionário num qualquer país subdesenvolvido, que eles não irão reclamar!

Durante décadas essa ideia foi passando e agora até temos colegas que vêem com algum desdém aqueles que tentam, aqui ou ali, acordá-los da letargia em que se encontram e com eles todo o ensino!

Poderia enumerar tudo aquilo que os governos foram, com as suas políticas, impondo aos professores. Mas entraria numa longa lista, que não nos levaria a mais lado nenhum, que não o da recordação. Apelei à sociedade em geral e aos professores em específico para que não aceitassem qualquer coisa no regresso às aulas, mas aceitámos. Aceitámos nós e aceitaram os pais, como se fosse inevitável regressar sem condições.

O prestígio de uma classe também se constrói mostrando carácter e isso tem faltado em toda a linha, não esquecendo o papel amorfo da maioria dos sindicatos, excepção feita a um ou outro, que têm tentado fazer melhor aquilo que ainda não foi feito.

Aceitamos tudo como se tivesse de ser assim.

Custa-me muito perceber que a culpa de estarmos onde estamos é genericamente nossa, dos professores.

Quando afirmo que a culpa é dos professores, faço-o conscientemente, mas não digo que seja só dos professores, já que, sobre aquilo que não controlamos pouco ou nada podemos fazer. Sobre aquilo que poderíamos ter feito ou podemos fazer quero apenas relembrar que falhámos.

 

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6 comentários

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    • PROFET on 7 de Outubro de 2020 at 11:14
    • Responder

    Nesse contexto, a culpa será apenas dos professores?

    Já houve tempos em que os diretores das escolas se sentavam a meu lado na sala de professores e me perguntavam se estava tudo bem, com o intuito de tentarem resolver algo que não estivesse bem, ou seja, com sentido de entreajuda. Ultimamente, em muitas das escolas em que passo, para conseguir falar com o diretor tenho que ser anunciado, e perco inúmeros intervalos para tentar resolver situações básicas, que só existem devido à incompetência da gestão das escolas.

    Os diretores, deviam ser os primeiros a tomar uma posição firme face à falta de condições, funcionários e professores. Ou seja,, se não existirem condições para um ensino com qualidade, então que se fechem essas escolas até que essas condições existam… e assim, a culpa nunca morreria solteira. De certeza que, se assim fosse, os professores seriam os primeiros a estar ao lado dos diretores. Nesta fase pandémica, em que o risco de contágio é deveras alarmante, os diretores sabem perfeitamente que os planos de contingência das escolas são meramente teóricos e que nunca poderiam resultar devido à inexistência de condições a todos os níveis, está mais do que provado que na prática não resulta. É como uma mangueira com vírus cheia de buracos… no momento em que se tenta remendar um dos buracos, ao mesmo tempo, observamos todos os outros a deixar passar o vírus. O ensino está a ser de muito má qualidade, talvez até pior do que o ensino à distância.

    Escondem os números de contágios dentro das escolas para enganarem as pessoas e se galardoarem com feitos não feitos. Neste momento, o número de novos casos diários nas escolas, deve rondar os 150, repito, DIÁRIOS… e desde o início das aulas já devem ter sido uns 2000, contando com alunos, professores e funcionários… e o número que saiu cá para fora, foi de 78 casos, reportados. Querem fazer-nos de burros, mas acreditem, a verdade há de vir ao de cima… os hospitais não poderão esconder mais a realidade…. também os profissionais dessa área são insuficientes e já estão exaustos… e também adoecem, não se esqueçam disso.

    • Pedro Lopes on 7 de Outubro de 2020 at 14:28
    • Responder

    Caríssimos!
    Acordem para a realidade.
    Já diz um ditado, PARA BURRO, BURRO E MEIO… Façam como eu. Após mais de 10 anos a trabalhar que bem um maluco para as escolas onde me encontrava colocado ( com 15 anos de serviço ainda sou contratado), decidi, finalmente, há 5 anos atrás, ser professor – dar aulas e mais nada. Falto ao maior número de reuniões que a lei me permite e não estou disponível para grandes atividades extra aula..
    Esta é a minha forma de protesto e confesso que, apesar de não ser nada preguiçoso, até me dá jeito protestar. Trabalho muito muito muito menos do que trabalhava e ganho o mesmo dinheiro, o mesmo tempo de serviço e as mesmas férias..
    Sejam finos e acordem..

    • Alecrom on 7 de Outubro de 2020 at 15:42
    • Responder

    Somos professores por vocação e exercemos a profissão com espírito de missão patriótica.
    Nascemos para isto.
    Diretora atira o barro à parede e nó encaixamos a canga.
    Sempre mais e nunca menos.
    Vamos fazer isto ou aquilo?
    Vamos.
    Retiramos o quê?
    Nada.
    Nós,
    os bons professores,
    semos achim!

    • Pedro Lopes on 7 de Outubro de 2020 at 16:38
    • Responder

    ALECROM ahahhha

    De facto é isso que acontece… Está na hora da mudança…Eu, como já afirmei no comentário anterior, já abri os olhos há cerca de 5 anos atrás.

    O famoso “PARDAL”, apesar de, na maioria dos seus comentários mandar 90% de disparates e 10% de factos verdadeiros e concretos, é um bom reflexo do que a população e políticos pensam dos professores e, portanto, não merecem, de todo, que nós, de boa vontade, façamos algum tipo de trabalho extra, sem sermos remunerados para isso. Vejam lá que, num jantar de amigos (pré-covid) é-me dirigida a seguinte informação que, foi dada sem qualquer intenção de me ofender: “O João era um excelente aluno… Depois, não percebi!!! O gajo foi para professor…” CONCLUSÃO: Estamos com a nossa imagem abaixo do zero…

    Façam como eu.
    Não prejudico nenhum aluno – tenho esse cuidado já que, leciono uma disciplina em que, se eles perdem o “comboio” dificilmente o voltam a apanhar. Portanto tenho o cuidado de não “assassinar alunos”. Fora isso, tenham a coragem de dizer NÃO; de dizer BASTA; de faltar a reuniões onde sabemos que nada de importante vai ser tratado.

    • Rui Manuel Fernandes Ferreira on 7 de Outubro de 2020 at 21:57
    • Responder

    Tal e qual, o verdadeiro problema reside nos professores. Ignoram as coisas mais elementares, a saber o conteúdo funcional instituído no ECD. Depois há de tudo, medo, nepotismo, ignorância. É isto que nos verga.

    • Nuno Santos on 9 de Outubro de 2020 at 19:13
    • Responder

    Caro colega Alberto , concordo inteiramente com tudo o que diz, é triste chegar onde chegámos, mas, infelizmente chegámos! Por isso é que vejo cada vez mais colegas a apoiar o André Ventura, como se fosse a única salvação para dar sentido à nossa cobardia e acomodação.
    “Nestes tempos de servidão
    Já não há quem resista,
    Já não há quem diga: NÃO!

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