É estranho que o senhor ministro desconheça estas circunstâncias, pois vai a caminho de ser o titular mais tempo no cargo desde 1974. Era tempo de acelerar a sua curva de aprendizagem. Ou de resolver o problema, em vez de lançar acusações despropositadas, apenas para se livrar de qualquer responsabilidade política perante a opinião pública.
O alarme chegou mais cedo do que o habitual: poucas semanas depois do início das aulas já é complicado encontrar professores para substituir aqueles que entram de baixa médica ou que, por outras razões, deixaram de leccionar. Embora esta situação se tenha tornado recorrente nos anos mais recentes, o habitual é que esta escassez se fizesse mais notar a partir do 2.º período ou, como o ano passado, no fim do 1.º período.
A explicação não passa pelo contexto de pandemia e por uma eventual inundação de pedidos de baixa médica por questões de risco. Os 12.000 docentes “de risco” que iriam pedir atestado, que algumas contas por demonstrar apresentaram quase como uma ameaça ao funcionamento das aulas, ficaram-se por escassas centenas. Pelo que teremos de procurar algures as razões para a situação de carência que se vive.
Falta de candidatos à docência? Também não. Às 872 vagas abertas este ano para os quadros concorreram quase 37.000 professores em busca de colocação, bem acima dos 34.000 do ano anterior. Dos que não conseguiram entrada nos quadros, cerca de 9300 entraram em contratação inicial para o que o Ministério da Educação considera “necessidades temporárias”. Restaram mais 24.000 para substituições a realizar durante o ano lectivo. E será aqui que já voltaremos, para perceber porque agora eles parecem ter desaparecido.
Naquela sua forma de falar sobre estes assuntos, num misto de aparente desconhecimento da realidade e desejo de afastar de si qualquer responsabilidade política, o ministro da Educação deu uma entrevista em que afirmou que a falta de professores que permanece em muitas escolas se deve à negligência das direcções, singularizando o caso da Escola Secundária Rainha Dona Amélia, acusando a sua directora de não ter pedido em devido tempo os horários “a que tinha direito”. A isso respondeu, nas páginas do PÚBLICO, a presidente do Conselho Geral da escola em causa, recordando ao ministro alguns factos concretos sobre a situação das reservas de recrutamento, acusando-o de negligência na forma como se expressou e de deslealdade institucional.
Fez muito bem, mas deveria ter ido mais além e questionado se o ministro desconhece os procedimentos para a contratação de professores em regime de substituição, em especial para os lugares de docentes que se encontram de baixa médica por motivo de doença prolongada e que têm reduções lectivas por motivo de idade. O que gera horários “incompletos” para quem concorre à contratação. Ou se ignora porque muitos candidatos desistem na fase das substituições ou recusam muitos dos horários disponíveis. Se ainda não percebeu que os encargos (com deslocações e alojamento) em muitos casos não compensam os ganhos, pois com horários incompletos há perda de salário, de tempo de serviço e a contagem de tempo para efeitos de aposentação também é “racionalizada” pela Segurança Social.
Perante isto, se é verdade que existe uma preocupação em prestar as melhores condições aos alunos e “estabilizar” o corpo docente (o que inclui o pessoal contratado), seria de regressar ao que foi possível muito tempo, ou seja, completar horários a partir de, por exemplo, as 16 horas, com tarefas não lectivas ou mesmo com funções na área da preparação/apoio à produção de materiais e ferramentas para um eventual período de ensino à distância. Permitindo um salário mensal completo e a não perda de tempo de serviço. Agora só se podem completar horários, na própria escola, quando aparecem necessidades “lectivas” que encaixem no horário ou os professores têm de andar de escola em escola em busca das horas em falta, chegando a ter de leccionar em dois ou mais estabelecimentos. O que, para além de ter uma parcela de indignidade profissional, é profundamente desgastante.
Adicionalmente, deveria acabar a regra, em nome da tal “autonomia”, que impede as escolas de pedirem professores para lugares que sabem muito antes de 1 de Setembro estarem em situação de baixa prolongada, mas que agora só podem ser providos a partir das reservas de recrutamento, com “poupanças” ridículas à escala do OE mas perdas significativas para quem está sem colocação e ainda a vê atrasada várias semanas em virtude desta questão formal.
É estranho que o senhor ministro desconheça estas circunstâncias, pois vai a caminho de ser o titular mais tempo no cargo desde 1974. Era tempo de acelerar a sua curva de aprendizagem. Ou de resolver o problema, em vez de lançar acusações despropositadas, apenas para se livrar de qualquer responsabilidade política perante a opinião pública.
“Nada foi feito para durar. Vivemos em tempos líquidos cheios de sinais confusos, propensos a mudar com rapidez e de forma imprevisível.”Se as ideias de Zygmunt Bauman (1925-2017) já se aplicavam à escola da sociedade pré-covid, então retratam na perfeição o clima das “salas de aula” nas fases já vividas da covid-19.
Repare-se que mesmo nas décadas do tempo sólido, em que para que todas as escolas abrissem em Setembro bastavam listas das turmas e horários, a OCDE (2019) concluía: seria insuficiente se “os professores portugueses não fossem os melhores a adaptar as aulas às necessidades dos alunos” (e, já agora, acrescento que, em regra, os alunos ajudavam muito).
No tempo sólido, e apesar de políticas educativas comprovadamente contraditórias e líquidas, a sociedade desenvolveu-se, escolarizou-se e melhorou as aprendizagens dos alunos (os resultados em educação demoram duas décadas a aparecer). Aliás, no início da década de 80 do século passado estavam tão atrasadas em relação à generalidade dos países europeus que esta semana se percebeu o óbvio: progredimos mais do que a média dos já desenvolvidos. Contudo, e segundo dados de António Costa Silva, somos o “pior” país europeu na conclusão do secundário e é consensual que ainda temos muito caminho a percorrer para eliminar a pobreza e o abandono escolar precoce.
Dito isto, é compreensível que a origem das desigualdades preencha as interrogações escolares mais prementes com simples formulações: por exemplo, se o resultado de um teste à covid-19 demora entre 48 e 72 horas, e se um aluno, professor ou outro profissional da educação de uma escola pública de massas tiver sintomas fortes, e até for internado, as pessoas que integram as bolhas com quem interagiu continuam a frequentar os mesmos espaços até se saber o resultado do teste? E o procedimento é igual em todas as áreas da sociedade e até em ambientes escolares menos massificados, com outro tipo de financiamento ou num grau de ensino onde a frequência é semana sim, semana não? Ou as respostas remetem-nos para mais efeitos do tempo líquido, e que se reflectem dentro das salas de aula, e a covid-19 resume-se a mais um difícil exercício que ficará entregue à citada conclusão da OCDE e à ajuda dos alunos? Ou tudo isto é um retrato da saúde ou da democracia? Ou de ambas?
Importa sublinhar que, se havia apreensão com o modo como as democracias lidam com pandemias, a resposta dos cidadãos foi exemplar. Com tantas e naturais incertezas da ciência, os cidadãos usaram a informação e anteciparam o isolamento social e outras medidas preventivas. Para isso, foi importante a prevalência da verdade e o clima de confiança que originou. Os cidadãos não estavam para estratagemas, infantilizações nem mistificações. Revelaram maturidade na adversidade. Queriam a verdade, por mais dura que fosse. Lidaram melhor com “toda a informação”. Anteciparam as exigências e incluíram os desvios desinformados. Houve uma auto-regulação cidadã que abriu uma janela de esperança e que contrariou os efeitos dos “novos hackers de dados da Cambridge Analytica”. E se houve, com a verdade da primeira vaga, um envolvimento cidadão que fortaleceu as democracias e confinou os movimentos mais populistas e irresponsáveis, espera-se que numa possível segunda vaga a transparência volte a ser inalienável.
Dirigentes e diretores alertam que, sem estratégia, vai continuar a agudizar-se a falta de docentes nas escolas.
Há escolas com dificuldades em garantir o acompanhamento à distância a alunos em isolamento profilático. A denúncia é feita pela Federação Nacional de Professores (Fenprof) e pelo Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE) que defendem a criação de uma bolsa de professores de risco que garantam esses apoios. As dificuldades de substituição dos docentes vão agravar-se este ano, garantem
No próximo dia 5 de outubro de 2020, entre as 17 e as 18h30, a Federação Nacional da Educação, no âmbito das celebrações do Dia Mundial do Professor de 2020, organiza o webinar “E agora, professores?” que vai contar com o Professor Doutor António Nóvoa como orador e com João Dias da Silva, Secretário-Geral da FNE e Álvaro Almeida dos Santos, Presidente da Assembleia-Geral da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) como moderadores da conversa.
“Como reinventar o modelo escolar, tal como o conhecemos nos últimos 150 anos? O quadro-negro é inútil? Não. Nada substitui uma boa lição. Quer isto dizer que, a partir de agora, tudo será digital? Não. Nada substitui um bom professor. Em educação, a covid-19 não trouxe nenhum problema novo. Mas revelou as fragilidades dos sistemas de ensino e do modelo escolar.
Acreditar que nada vai mudar ou que tudo vai mudar rapidamente são duas ilusões igualmente absurdas. Em educação, as mudanças são sempre longas, fruto do trabalho de várias gerações.
Mas a questão essencial nunca é sobre os instrumentos, é sempre sobre o sentido da mudança. Duas perguntas principais marcam o ritmo das interrogações pedagógicas do nosso tempo: como construir um ambiente educativo estimulante? Como entrelaçar o trabalho educativo dentro e fora das escolas? À primeira pergunta responde-se com a metáfora da biblioteca. À segunda pergunta responde-se com a metáfora da cidade.”
António Nóvoa
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Gus sempre teve paixão por tocar bateria e subir no palco, mas está preso trabalhando na cozinha de um clube de jazz. Depois que a cozinha fechou, Gus teve a tarefa de lavar a louça. Ele então pega suas próprias baquetas e começa a tocar em potes e frigideiras.