Os heróis de hoje eram as bestas de ontem

Os heróis de hoje eram as bestas de ontem

A pandemia que estamos a viver em todo o mundo veio com um novo olhar sobre os profissionais que, de uma forma ou de outra, tentam salvar a sociedade de todos os males que ela trouxe consigo.

Os profissionais ligados à saúde são hoje presenteados com o título de “heróis de primeira linha”. Aqueles que, contra a natureza humana, não fogem do campo de batalha, mesmo que estejam a perder a batalha. Permanecem, voltam um dia atrás do outro, arriscando as próprias vidas e com isso arriscando, muitas vezes, as vidas dos seus em casa. Trabalham sem meios adequados, inventam e reinventam soluções, testam formas de combate à doença, dão o seu melhor para que a sociedade não perca a guerra.

A sociedade vê neles um exemplo de perseverança e esperança no futuro. Os hospitais são presenteados com material de apoio, por anónimos e conhecidos. Os profissionais de saúde vêem-se apoiados por toda a comunidade que os rodeia com os maiores e mais pequenos gestos de agradecimento, às vezes um simples e sincero “obrigado” tem todo o valor do mundo, dando-lhes o alento que necessitam para continuar em frente.

Mas não foi há muito tempo: os que hoje os chamam de “heróis”, apelidavam-nos de “bestas” por reivindicarem melhores condições de vida como o reconhecimento das suas especializações ao nível de ordenados, a exigência de um estatuto de carreira de desgaste rápido, um estatuto de carreira no caso dos enfermeiros e o descongelamento de carreiras. Os auxiliares de acção médica, esses, arriscam as suas vidas todos os dias por um ordenado mínimo, mas não desmobilizam, continuam a ajudar a salvar vidas contra todas as probabilidades, mesmo contra tudo o que a razoabilidade humana lhes exija. Trabalham sem subsídios de risco, trabalham com o medo nos corações, mas pelos olhos emanam esperança.

Os professores, num mês, inventaram e reinventaram a escola. Com espírito de missão, arregaçaram as mangas e traçaram novos caminhos na educação. O ensino à distância é hoje uma realidade em progressão. Sem orientações dignas dessa palavra, deram resposta aos seus alunos num primeiro momento. Com orientações vagas delinearam estratégias, organizaram-se, foram à procura de soluções e encontraram-nas, construíram-nas e chegam aos seus alunos.

O ministro da Educação chama-os de “heróis”. “Cada professor é um verdadeiro herói”, disse. O primeiro-ministro promete um novo choque tecnológico na educação no próximo ano lectivo.

Os professores não querem ser “heróis”, querem ser reconhecidos como profissionais que são. Os professores fizeram a revolução tecnológica na sociedade escolar a partir de suas casas e sem apoio governamental. Se os professores são “heróis” hoje, é porque sempre o foram, mas nem sempre foram tratados como tal. A sociedade nem sempre os tratou como hoje os trata.

Pouco antes de a pandemia começar, os professores eram agredidos, física e psicologicamente, quase diariamente, por alunos e familiares. Viram-lhes negado a contabilização, sem retroactividade, da contagem de todo o tempo perdido durante o congelamento, para efeitos de carreira, como aconteceu com as carreiras gerais da função pública. Viram situações de injusta ultrapassagem na carreira acontecer entre colegas, sem qualquer salvaguarda por parte da tutela. Viram construir, na sociedade, uma imagem de “bestas” que apenas queriam aumentos e mais dinheiro.

São estes profissionais que hoje dão o seu melhor, na primeira ou na segunda linha, para que nada falte aos nossos doentes e às nossas crianças, os mais frágeis da nossa sociedade. Ontem passaram, ou fizeram-nos passar por “bestas”, hoje chamam-nos de “heróis”. Todos são apenas dos melhores profissionais do mundo, tal como todos os outros que todos os dias se levantam de manhã para ir cumprir a missão que escolheram nas suas vidas.

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25 comentários

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    • Rui Manuel Fernandes Ferreira on 16 de Abril de 2020 at 16:55
    • Responder

    Tudo muito bem desmontado pela Raquel Varela, aqui:
    https://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2020/04/13/cinismo/

    • Zaratrusta on 16 de Abril de 2020 at 18:26
    • Responder

    E voltarão a ser bestas amanhã.

      • Quarentão on 16 de Abril de 2020 at 19:01
      • Responder

      True story.

    • Cris on 16 de Abril de 2020 at 18:28
    • Responder

    Boa Bla Bla Whiskas saquetas!
    Não, não há heróis. Há profissionais em todos os sectores que se adaptaram e reinventaram.
    Os próprios alunos são também exemplo disso.
    Não se ponham num pedestal. Não há profissões de 1a e de 2a. Todas são úteis à sociedade.
    Vejam se de tanto olharem para o próprio umbigo não batem com a cabeça num poste.
    Querem ser levados a sério? Sejam sérios!

      • Roberto Paulo on 16 de Abril de 2020 at 21:23
      • Responder

      Não, pá, há heróis, desde logo aqueles que tombam em combate para salvar a vida de terceiros.

      Porque se o bicho entrar no teu corrupto corpo e tiveres de marrar com os costados num hospital, lá estarão eles a dar o corpo ao manifesto para manter o teu miserável ser com vida.

      Creio que as farmácias ainda vendem produtos para a azia, porém, quanto à estupidez arrogante e iletrada… é como a vacina para o bicharoco: ainda não foi inventada.

        • Cris on 16 de Abril de 2020 at 21:48
        • Responder

        Oh Roberto é claro que há heróis.
        Os profissionais de saúde que estão na 1a linha, os auxiliares de saúde, os cozinheiros das cantinas do hospital, os motoristas que garantem a entrega de tudo o que nos é essencial, os farmacêuticos, os funcionários dos supermercados que garantem que se precisar de fraldas para a incontinência pode ir buscá-las, os padeiros, … Precisa que continue? É isso mesmo que digo. Os professores? Heróis? Num pedestal? Não! Não! Não!
        Só revela falta de noção aí do seu colega Rui

          • Ex on 16 de Abril de 2020 at 22:35

          A Cris foi trocada por uma professora e ficou azeda.

          • Roberto Paulo on 17 de Abril de 2020 at 13:46

          Os professores são heróis quando combatem as desigualdades todos os dias, quando alimentam os seus alunos do seu bolso, quando os vestem ou ajudam a vestir, quando simbolizam um pequeno lampejo de humanidade em vidas que nunca o chegam a ser. Não sei em que mundo vive, mas certamente não é o mesmo em que eu e muitos colegas.

          Ainda assim, quase todos nós dispensamos a medalhinha. Agora, não nos venham é diminuir no nosso exercício, como V. Ex.a tenta subrepticiamente, fazendo o exercício oposto ao que diz, isto é , que todos contam e são importantes.

    • Quarentão on 16 de Abril de 2020 at 18:34
    • Responder

    “Os heróis de hoje eram as bestas de ontem”.
    Pois, julgo que os professores gostam mesmo de levar pancada e têm memória curta. Cada vez que vejo as minhas colegas todas felizes a trabalharem em casa, com os seus próprios recursos e a vangloriarem-se das suas aulas síncronas e assíncronas em Zoom, Classroom, whatsapp, teams e etc…. eu não sou melhor nem pior. Só acho que nem 8 nem 80. Pois em troca de salvar a pátria, falsos nacionalismos, melhor avaliação ou outros interesses afins, julgo que estão a por-se a jeito e a levantar precedentes para o que virá a seguir a este estado de emergência. O governo não terá pena nenhuma na altura dos cortes, porque, seremos nós de novo a pagar a crise que se avizinha. Até há bem pouco tempo éramos uns privilegiados, preguiçosos e com altos salários. Com base nisto e na crise, em que resolveram dar prioridade à salvação da banca e interesses afins, congelaram-nos o tempo de serviço e cortaram-nos no vencimento. Lembram-se? Agora já somos os heróis!! Com um “aumento” de 0,3%! Vão lá beijar a bandeira. Eu faço o mínimo. (Contratado em horário incompleto há 15 anos)

      • Zaratrusta on 16 de Abril de 2020 at 20:07
      • Responder

      Retribuo: True story (contratado em horário incompleto há 17 anos)

      • Zaratrusta on 16 de Abril de 2020 at 20:09
      • Responder

      P.S. E não vai haver gajas.

        • Quarentão on 16 de Abril de 2020 at 21:30
        • Responder

        Velhas de 60 anos, não deixam de ser gajas. Afinal de contas os 60 são os novos 50.
        Fico sempre tão animado quando entro dentro numa sala de professores. Que saudades da porta de saída após tirar o café na máquina e ir directamente para outro sítio qualquer. Aquele barulho ensurdecedor do intervalo da manhã, de velhas aos gritos umas com as outras, nos seus lugares já marcados. Sim, porque a idade é um posto. As pseudo tias do último escalão que ainda te dizem, “ai eu já sofri bastante, agora é vossa vez…”.

          • Cury1 on 17 de Abril de 2020 at 7:33

          Até eu… E acredite , Quarentão , que não é só um contratado que se sente assim. Há muitos “Cinquentões e “Ciquentonas” que nunca chegarão ao décimo escalão, possuindo muito mais habilitações. Com o mal dessas ” tias” que pululam por aí, podemos bem. Também as ouço. Esquecem-se , porém de todos os privilégios adquiridos ao longo dos anos.
          Quanto ao post, todos os profissionais devem dar o seu melhor no que fazem. É uma questão de honra e de brio. E não é altura de criar polémicas. Mas é só a minha modesta opinião.

    • Luluzinha on 16 de Abril de 2020 at 19:10
    • Responder

    Ai não se iludam- O estado de graça não vai durar muito.

    • EnsinoProfissional on 16 de Abril de 2020 at 21:40
    • Responder

    No Ensino Profissional há muitos alunos com carisma e perfil para as componentes mais técnicas e práticas da nossa sociedade.
    Preocupam-se por aprender a ser gente e que querem aprender o que lhe possam ensinar!
    Valorizam e respeitam quem os compreende!

    Muitos não têm recursos nem famílias abonadas. O que os move é a entrada no mercado de trabalho. Sabem que terão de dar o seu melhor, apesar de um horizonte com um ordenado mínimo. A sua motivação está no alívio financeiro das famílias, o mais rápido que lhes for possível- mas, até lá, têm de cumprir a escolaridade obrigatória.

    Os seus muitos desencantamentos com tudo e com todos têm de ser entendidos. Muitas vezes sem dinheiro para comprar o básico, quanto mais computadores ou pagar acessos à Internet.

    Cá vamos compreendendo e tentando responder a todos eles! Meus senhores… Computadores… são uma miragem para muita gente neste país…acessos a plataformas idem… idem…. aspas!
    Mesmo assim os professores vão chegando a quase… quase…todos! Felizmente que muitos dos alunos, apesar dos seus telemóveis obsoletos com minúsculos ecrãs vão acedendo, intermitentemente às contas de email onde podem abrir as mensagens com pequenos guiões das aulas… evitando-se o carregamento de anexos nos emails porque tais recursos “TELEMÁTICOS” desses alunos não os suportariam.

    Sim … estamos por cá e a cumprir!
    Efetivamente, o ensino profissional é realisticamente semelhante ao parente pobre da educação em Portugal.
    Há que não perder a esperança e que os nossos governantes consigam enxergar o óbvio! Que não demorem…
    QUE NENHUM ALUNO FIQUE PARA TRÁS!!!!

      • Zaratrusta on 17 de Abril de 2020 at 10:30
      • Responder

      Treta. Vai dar banho ao cão.

        • Banhada on 17 de Abril de 2020 at 11:09
        • Responder

        Oh zero truta, vê lá se o cão não te dá “banho” a ti.

    • Amorim on 17 de Abril de 2020 at 0:13
    • Responder

    Muitos alunos dizem que não tem computador e acredito., no entanto verifico que pelo menos a partir do 7º ano quase todos os alunos (mesmo escalão e mais carenciados ) tem telemóvel muitos de topo (muitos custam acima de 500 euros mais que um portátil ) com plano dados ilimitado , em casa tem plano TV com 200 canais ou mais e internet. Acredito que existam excepções de alunos sem condições ter internet e Computador (20% talvez? ) , no entanto para muitos alunos a queixa de falta de computadores é apenas desculpa para não fazer nada…. Verifico também muitos colegas a reclamar do ensino à distancia mas temos que perceber que estamos todos com dificuldades não temos outra solução melhor neste momento , cada um deve fazer o melhor possível sem complicar demais e sem exageros burocráticos …

      • Quarentão on 17 de Abril de 2020 at 10:15
      • Responder

      Mais um ressabiado com inveja dos telemóveis topo de gama dos alunos!!!
      À conta dos seus pensamentos tipo: “…estamos todos com dificuldades não temos outra solução melhor neste momento , cada um deve fazer o melhor possível sem complicar demais e sem exageros burocráticos …” é que a escola chegou ao que chegou, sem professores a determinadas disciplinas, sem funcionários, com computadores desactualizados e avariados, entre muitos outros problemas. Agora é o vírus, das outras vezes foi a crise, o 11 de setembro… Há sempre desculpa para estarmos a improvisar em cima do joelho e nos retirarem os direitos. Quando começarem de novo os cortes para salvarem a banca como fizeram das outras vezes, quero ver de novo esse seu discurso de salvação da pátria e de que os professores não querem fazer nada.
      Vá lá fazer os seu vídeos para as aulas síncronas e deixe lá os telemóveis dos alunos e os professores que não querem fazer nada.

    • Matilde on 17 de Abril de 2020 at 9:26
    • Responder

    Ninguém precisa de ser tratado como “herói”.

    Todos precisamos é de ser tratados com RESPEITO!

    Respeito pelas especificidades de cada profissão e respeito pelos meios que são necessários para que cada um desempenhe a sua profissão de forma digna e eficaz.

    Não precisamos de discursos hipócritas e voláteis.
    Não precisamos de discursos patéticos e muito “afectivos” de Diretor@s que, na primeira ocasião, desrespeitam os profissionais que consigo trabalham.

    Precisamos que o discurso seja consonante com a acção. Basta apenas isso.

      • Roberto Paulo on 17 de Abril de 2020 at 13:50
      • Responder

      Setia um ótimo começo de conversa, Matilde.


  1. Eu não posso gabar-me do mesmo. Sou contratada com 19horas. Estou no computador desde as 9h até às 23h. A minha Diretora manada emails a toda a hora com pedidos e prazos de uma hora ou duas!!!

      • Quarentão on 17 de Abril de 2020 at 14:58
      • Responder

      E se ficasses sem net?

      • lena on 18 de Abril de 2020 at 16:28
      • Responder

      a tua diretora tem é falta de peso


  2. *manda

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