Conheci o professor Manuel Esperança em 1992, quando tive o privilégio de leccionar na extraordinária Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Lisboa, edifício da autoria do insigne arquitecto Hestnes Ferreira. Era um êxtase aquelas paredes em betão branco, as clarabóias, a configuração das salas, o mobiliário integrado, o arrojo da volumetria pós-moderna. Já nessa altura dirigia a escola o Esperança. Coincidência feliz, um professor chamar-se Esperança. Lembro-me do simpático, entusiasta e disponível colega presidente do Conselho Directivo.
A Federação Nacional de Professores sabe de mais dezasseis directores sujeitos a processos disciplinares pelas mesmas razões. O caso do professor Esperança só foi notícia por este se ter sentido injustiçado ao ponto de pedir a reforma antecipada e a sua escola ser referência no topo dos rankings. Ao cabo de 28 anos a conduzir a Secundária José Gomes Ferreira ao sucesso mediático, o Esperança sai ressentido. É pena, não precisava de bater com a porta, bastava reconhecer que errou e não se falava mais nisso.
Estes casos ilustram o efeito perverso da longa permanência em cargos directivos — a perda da noção das prioridades. Após longos anos dedicados em exclusivo à gestão do estabelecimento de ensino, um director esquece-se de que é professor, esquece-se de que quem faz a escola são os seus colegas, perde a noção de que serve melhor os alunos se puser em primeiro lugar os professores. Sim, são os professores quem faz escola e quem faz a escola. Os alunos passam pela escola. E são, mais uma vez, os professores quem adapta continuamente a escola aos alunos que vão surgindo. Os alunos são a razão de ser dos professores, mas a condição de aluno só se concretiza perante o professor.
Neste tempo de ataque vil e irracional à classe docente, ao ponto de nenhum jovem ambicionar esta imprescindível carreira, os directores deveriam personificar a última esperança dos seus colegas, estando do seu lado, lutando ao seu lado. Dificultar greves como as que se têm feito pelo reconhecimento do tempo de serviço cumprido e pela renovação de corpo docente é pusilânime, reles, traiçoeiro. Impedir que os colegas as façam é inaceitável em democracia.
Porém, o Estado de direito funcionou. Ainda bem.
9 comentários
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Qual o grupo de recrutamento (ou disciplina curricular) do sr. Esperança?
É importante ? Não é 1º ciclo.
De um professor do 1º ciclo jamais esperaria tamanha leviandade em violar uma lei , ou que invocasse as imbecis “razões” aduzidas pelo sr. Esperança para consumar o ilícito. A boa -fé , como disse o outro, não poderá ser aqui chamada.
O grupo dos antigos professores de trabalhos oficinais, electricidade. Ele tem o curso do isel de engenheiro técnico electrotécnico. Antigamente era o 12º grupo, hoje acho que corresponde aos profs de educação tecnológica, se é que isso ainda existe.
Que comentário absurdo! Que diferença faz o senhor ser do 1º ciclo ou não? Tenho imenso respeito pelos professores do 1º ciclo, mas serão os únicos a fazer tudo dentro da legalidade? Serão os únicos professores competentes deste país? Serão os únicos que trabalham? Em todos os ciclos há bons e menos bons profissionais. Haja paciência!
Neste texto, que subscrevo e aplaudo de pé, há uma frase chave que devia ser colada em todos os monitores (e paredes das salas) dos Diretores deste país:
O Diretor, deve ter a noção que “serve melhor os alunos se puser em primeiro lugar os professores”.
Nalguns casos de maior resistência (e há centenas por aí), seria bom obrigar os Diretores a copiar 50 vezes por dia esta frase!
E já agora também os Conselhos Gerais, Pedagógicos, etc..
O Esperança era de Educação Tecnológica. Também o conheci, estive 5 anos na José Gomes Ferreira e, na altura, aquilo era uma escola a sério e ele um diretor a 100%.
Porém, os tempos mudaram… e o Esperança que eu fui encontrar como diretor do Agrupamento de escolas de Benfica já era “outra pessoa”…
Sim, de facto, os diretores não devem “aquecer” os lugares nas Direções… sobretudo aqueles que acham que tudo podem. E nem me estou a referir ao episódio da greve. Houve coisas muito mais graves, mas pertencem ao passado.
Ah! Bem me pareceu !”O Esperança era de Educação Tecnológica”. Melhor dito , é de Trabalhos Oficinais, agora com o pomposo nome de Ed. Tec.
O sr. Esperança pertence aquela área técnica para a qual só era pedido o “curso” de uma escola industrial ( com muito favor, correspondente ao actual 9º ano). Eram os antigos “mestres” que agora passaram a chamar-se (respirem) …. professores! Professores, senhoras e senhores!
Bom , ponto 1, o sr. Esperança foi uma pessoa decente durante muitos anos.
Não só um “tipo porreiro”, como também um indivíduo dotado de sensibilidade e um comportamento de um bom ser humano.
Claro que estou a falar no passado e, no passado, anos 90, a realidade era outra. Mesmo as tropelias de Cavaco não conseguiam abalar a sociedade que sentia a Democracia como um bem irreversível.
As pressões sobre a classe docente não faziam ainda muita mossa. Tivemos, talvez o melhor ministro da educação, Roberto Carneiro e a terrível Manuela Ferreira Leite, que comparada com a milú ou o Tiago, era uma estimável senhora, um doce!
Os tempos mudam, as circunstâncias também.
O “porreirismo” pode ser suficiente em tempos de paz, quando as dificuldades e as pressões acontecem é preciso mais, muito mais. É preciso coragem e, principalmente, coluna vertical.
ponto 2, tal como muitos dos actuais senhores directores, o Esperança mudou. Não descaradamente, mas de forma discreta e determinada.
O culminar dessa mudança coincide, no meu entender, com a ascensão da triste dupla Paços Coelho, Nuno Crato. Também o mediatismo que Fátima Campos Ferreira lhe proporcionou, não terá contribuído em nada para manter aquele grau de modéstia que todos devemos preservar. De um momento para o outro as suas pouco inovadoras e muito menos profundas convicções sobre educação, levaram-no a deslumbrar-se com as bolorentas e patéticas conversas desfiadas pelo triste quarteto, Mário Crespo, João Duque, Medina Carreira e Nuno Crato, no programa de triste memória que dava pelo nome de “Plano Inclinado”
Manuel Esperança, defendia publicamente os “originais” exames da 4ªclasse!
Nas reuniões preparatórias para os humilhantes exames dos professores contratados, era para mim penoso ouvir as considerações que Esperança tecia em relação aos professores que corajosamente os tinham tentado boicotar.
Talvez o momento em que Manuel Esperança, publicamente desceu mais baixo, terá sido quando, perante um mal-entendido entre o Professor ( o Pê maiúsculo é intencional) de Língua Portuguesa, Luís Prista e orientações do seu grupo disciplinar, o levaram a colocar-lhe um processo disciplinar. Os inspectores propuseram o arquivamento do mesmo, mas M. Esperança, assim não parece ter entendido.
Cabe aqui dizer que se as escolas pudessem escolher os seus professores, o Professor Luís Prista teria uma fila infindável de escolas a quererem contratá-lo.
Ironia do destino, M. Esperança assumiu a direcção da escola, há cerca de 30 anos, na sequência da demissão de um conselho directivo que caiu em desgraça por ter colocado, também, um processo disciplinar a um colega.
Estávamos no tempo em que a resignação total e absoluta, ainda não constituía uma das principais características da classe docente.
O respeitinho ou a subserviência a tudo o que pudesse cheirar a poder económico ou político, no fim de contas, um dos atributos tão bem vistos na nossa sociedade actual, terá levado a que actos de pura e total deslealdade para um professor, eu, seu colega há cerca de 30 anos, de quem se diz ainda amigo.
Para concluir, penso que M. Esperança não se está a reformar antecipadamente. Está sim a completar o tempo de serviço com os anos que tem a mais, dos 40 como professor.