starão os jovens portugueses preparados para utilizar no dia-a-dia o que aprendem dentro da sala de aula? O título já ninguém tira. Depois de ter sido apelidado de “a maior história de sucesso na Europa”, Portugal volta a consolidar os resultados obtidos em 2015 no relatório PISA – Program in International Student Assessment (em tradução livre, Programa Internacional de Avaliação de Alunos), quando superou pela primeira vez a média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico). A edição 2018 mostra que, apesar de os jovens portugueses de 15 anos (amostra do estudo) terem descido ligeiramente no ranking que avalia a sua literacia (na leitura, na ciência e na matemática), continuam a ser daqueles que registam uma maior evolução positiva, num ranking liderado pelos países do sudeste asiático. O PISA 2018 foi divulgado esta terça-feira.
O estudo internacional, divulgado de três em três anos desde o ano 2000, traça um retrato sobre o desempenho dos alunos de 15 anos de 79 países e economias diferentes. Ao todo, a nível mundial, contou com a colaboração de cerca de 600 mil estudantes, representando cerca de 32 milhões de jovens nesta faixa etária. Em Portugal, foram 5932 alunos e 5452 professores, entre 276 escolas de todas as regiões do país.
Cada um participou numa série de questionários que avaliaram os seus conhecimentos em três áreas-chave – Leitura, Ciência e Matemática, sendo a Leitura a área principal desta edição – e a sua relação com a escola. A grande maioria dos alunos de 15 anos participantes no estudo (57,4) encontrava-se no 10.º ano de escolaridade – um número superior ao registados nos últimos anos, em que havia uma maior distribuição por outros anos. Já 17,2% ainda estava no 9.º ano, 7,2% no 8.º ano e 2,4% no 7.º ano. Há ainda 15,7% destes que se encontravam em em áreas de formação e educação vocacionais ou profissionais.
Portugueses ainda estão acima da OCDE, mas desceram
São várias as conclusões que este relatório permite retirar quanto àquilo que pode ser o retrato da educação em Portugal, que aparece nos vigésimos lugares da lista nas três áreas avaliadas. Em traços gerais, as notícias continuam a ser positivas para o país, que mantém médias acima da OCDE. Mas, desta vez, desceu ligeiramente nos conhecimentos de Leitura e significativamente em Ciência.
Na Leitura, a área de eleição desta edição do PISA, os resultados de 2018 (492) ficaram ligeiramente acima da média obtida em 2000 (mais 22 pontos percentuais), mas a seis pontos de diferença em relação a 2015. Uma diferença que os especialistas do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), organismo que coordena a versão portuguesa do estudo, consideram ser “não estatisticamente significativa”. O país mantém-se, assim, ao lado de nações como a Alemanha (498 pontos), pela Eslovénia (495 pontos), pela Bélgica (493 pontos), pela França (493 pontos), pela República Checa (490 pontos) e pela Holanda (485 pontos) – presenças cativas nos rankings mundiais.
Segundo o PISA, cerca de 80% dos jovens portugueses conseguiram alcançar, pelo menos, o nível 2 (numa escala de 6) de conhecimento na leitura. Este nível supõe que os alunos são capazes de “identificar a ideia principal de um texto de extensão moderada, localizar informação assente em critérios explícitos e, por vezes, critérios complexos”, refletindo sobre “os objetivos e a forma dos textos quando lhes é explicitamente solicitado para o fazerem”, lê-se no documento. Na OCDE, esta média é de 77%, abaixo da portuguesa. Contudo, apenas 7% dos alunos portugueses atingiram níveis superiores da escala (5 e 6, por exemplo), quando na OCDE, em média, são 9%.
Foi na Ciência que se sentiram as maiores diferenças face aos restantes países e economias. Na mais recente edição, a média entre todos os jovens portugueses foi de 492 pontos, “uma diferença significativa de menos 9 pontos” em relação a 2015, embora se mantenha acima da média da OCDE por três pontos. Portugal retoma, assim, resultados próximos do nível observado em 2009 e 2012. Segundo o IAVE, não é mais do que um espelho da “tendência decrescente da pontuação média da OCDE na avaliação das ciências que já em 2015 apresentou uma quebra de quatro pontos em relação a 2006”. Assim sendo, “quando se analisa a variação média em ciclos de três anos, Portugal é um dos 13 países que apresenta uma variação positiva e significativa de mais 4,3 pontos na avaliação das ciências”.
Na literacia científica, o nível de proficiência dos alunos assemelha-se ao encontrado na área da Leitura: 80% alcançou pelo menos o nível 2 (na OCDE, situa-se nos 78%), através do qual demonstrar saber “utilizar conhecimentos do dia-a-dia acerca de conhecimentos e procedimentos elementares para identificar uma explicação científica apropriada, interpretar dados e identificar a questão investigada num delineamento experimental simples”. Quando analisado o quadro superior de conhecimentos, nos níveis 5 e 6 da escala, os resultados também são inferiores à media da OCDE, com apenas 6% a atingi-los (na OCDE, 7%).
Só na área de Matemática é que Portugal conseguiu manter a linha, situando-se novamente os 492 pontos alcançados já na última edição do PISA, três pontos acima da média da OCDE (489 pontos). Numa análise mais generalizada, segundo o IAVE, desde 2003 verifica-se um crescimento significativo de seis pontos. Por outro lado, “no mesmo período, a OCDE registou uma tendência negativa evidenciando um ligeiro decréscimo (menos 0,6 pontos)”.
No ranking mundial da literacia matemática, são as economias de Pequim, Xangai, Jiangsu, Zheijang (B-S-J-Z) na China (591 pontos), Singapura (569 pontos), Macau (558 pontos), Hong Kong (China) (551 pontos) e Taiwan (531 pontos) que ocupam o topo.
Um pouco mais abaixo do registado nas áreas de Leitura e Ciências, 77% dos alunos em Portugal alcançaram pelo menos o nível 2 de conhecimento em Matemática – semelhante ao panorama da OCDE (76%). Mas há cerca de 12% que chegam a níveis superiores.
O género conta
Apesar de semelhantes entre si, os resultados referentes às áreas-chave escondem diferenças, umas mais significativas do que outras, no que toca ao género do aluno avaliado. Regra geral, as raparigas obtém melhores resultados na leitura do que os rapazes, enquanto estes se saem melhor na Ciência e na Matemática.
À semelhança do que tem sido verificado em anos anteriores, as raparigas registaram um melhor desempenho na Leitura, com mais 24 pontos do que os rapazes, em média – de 504 para 480 pontos. Ainda que a distância entre os dois sexos seja inferior à verificada em 2009, continua semelhante à do ano 2000. De acordo com o IAVE, “Portugal seguiu a tendência internacional, embora a diferença de pontuação entre rapazes e raparigas portugueses seja menor do que a observada para a maioria dos países/economias”.
O cenário é outro quando o assunto é Ciência ou mesmo Matemática. Em Portugal, são os rapazes aqueles que registam melhores resultados na literacia científica (494 pontos contra 489). Ainda que a diferença não seja tão significativa, continua a ser dos países com diferenças mais acentuadas. Os resultados médios da OCDE mostram menores distâncias entre género e “sobretudo favoráveis às raparigas em 2018”.
Onde a diferença é significativa é na Matemática, em que os rapazes (497) se distanciam do sexo feminino por nove pontos (488). E embora a diferença tenha diminuído em 2018, face aos restantes ano, continua a ser superior à verificada no conjunto de países da OCDE.
E a questão do género parece estar longe de ser um fator determinante na vida dos portugueses avaliados. Quando questionados sobre as expectativas de carreira, os estudantes de 15 anos com os melhores resultados mostra decisões fortemente estereotipadas. “Entre os alunos de alto desempenho em Matemática ou Ciência, cerca de um em cada dois rapazes em Portugal espera trabalhar como engenheiro ou profissional de ciências aos 30 anos, enquanto apenas uma em cada sete meninas espera fazê-lo”, divulga o relatório. Por outro lado, “quase uma em cada duas raparigas de alto desempenho espera trabalhar em profissões relacionadas à saúde, enquanto apenas um em cada sete rapazes de alto desempenho o espera”.
Jovens mais pobres com menor propensão para o sucesso
Em todas as áreas analisadas, o estatuto socioeconómico do aluno foi considerado um forte fator de desempenho. Em Portugal, “a probabilidade de um aluno que se situe entre os 25% mais desfavorecidos obter uma pontuação abaixo do nível 2 de conhecimento é aproximadamente três vezes maior do que a de um aluno com estatuto socioeconómico superior obter esta pontuação”, alerta o IAVE. Aliás, “o efeito do estatuto socioeconómico e cultural em Leitura é maior em Portugal do que no conjunto dos países da OCDE”.
Os dados do relatório PISA 2018 mostram que os alunos favorecidos superaram os alunos desfavorecidos na literacia da leitura em 95 pontos. Na OCDE, esta diferença é de 89 pontos. E a linha parece estar em sentido crescente, sendo que em 2009 a diferença era de 87 pontos, em Portugal, e 87 na média da OCDE.
Apenas 2% dos estudantes desfavorecidos alcançaram os melhores resultados na Leitura em 2018, contrastando com os 16% mais favorecidos que atingiram as mesmas pontuações. Em média nos países da OCDE, 17% dos estudantes mais favorecidos e 3% dos estudantes mais desfavorecidos foram os melhores em leitura.
Os resultados parecem ter reflexão nas ambições a longo prazo, uma vez que mutos destes estudantes desfavorecidos que atingiram alto desempenho “mantêm ambições mais baixas do que seria esperado”. Feitas as contas, “apenas três em cada quatro estudantes desfavorecidos de alto desempenho – mas quase todos os estudantes desfavorecidos de alto desempenho – esperam concluir o ensino superior”, por exemplo. Portugal é mesmo um dos países em que a diferença entre os alunos mais e menos favorecidos quanto à expectativa de concluir o ensino superior é mais expressiva (43%).
A questão socioeconómica tem sido um fator determinante também para a população imigrante em Portugal, que tem vindo a crescer: em 2009 eram 5% dos estudantes em Portugal e em 2018 eram já cerca de 7%. Entre estes, cerca de um em cada quatro encontrava-se em desvantagem socioeconómica à data da avaliação. O que influencia o seu desempenho escolar: de acordo com o PISA, “a diferença média no desempenho da Leitura [área em foco nesta versão] entre estudantes imigrantes e não imigrantes em Portugal foi de 32 pontos a favor de estudantes não imigrantes. Após contabilizar o perfil socioeconómico dos alunos e das escolas, a diferença diminuiu para 26 pontos.”
Contudo, ao longo dos anos, Portugal tem conseguido reduzir as diferenças entre a população imigrante e a não imigrante. Em nove anos, registou o maior decréscimo quando comparado com todo os países participantes no estudo da OCDE.
Escolas reclamam falta de professores e de material
No estudo, participaram ainda professores e diretores de escolas, que relataram escassez de pessoal e de material nas escolas, mais do que a média da OCDE.
A Federação Nacional de Professores (Fenprof) estima que haja, atualmente, 20 600 estudantes afetados, em disciplinas como Inglês, Geografia, mas principalmente Informática – sendo este último o grupo de recrutamento mais afetado. Apesar das dificuldades enfrentadas atualmente pelo corpo docente, a nível nacional, o relatório PISA mostra que cerca de 83% dos alunos avaliados em Portugal concorda que o professor mostra prazer em ensinar. E, na maioria dos países e economias que integram o estudo, os alunos obtiveram uma pontuação mais alta na literacia em Leitura quando perceberam que os seus professores estavam mais entusiasmados.
Mas não só de recursos humanos se faz uma escola. Por isso, a Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas tem reforçado as queixas sobre a falta de computadores, atualmente obsoletos, bem uma rede de internet limitada.
Os resultados do PISA foram oficialmente divulgados esta terça-feira e dizem respeito a uma avaliação feita em 2018. O estudo é financiado pelo governo de cada país que escolha participar e, dependendo da economia e tamanho do país, o valor pode oscilar entre 75 mil euros e 900 mil euros. Pela primeira vez, nesta edição participaram países como a Bielorrússia, Bósnia e Herzegovina, Brunei Darussalam, Marrocos, Filipinas, Arábia Saudita e Ucrânia.
Em média, são os estudantes de Pequim, Xangai, Jiangsu e Zhejiang (China) e Singapura aqueles que superam todos os outros países em Leitura, Matemática e Ciência. Todas economias influentes, não pertencentes à OCDE. Aliás, como lembra João Maroco, especialista do IAVE, “dos 79 sistemas educativos que participaram no PISA, apenas sete (Albânia, Colômbia, Macau, República da Moldávia, Peru, Portugal e Qatar) revelaram uma melhoria significativa do desempenho dos seus alunos simultaneamente a leitura, matemática e ciências na história do PISA” e “destes sete, apenas um é membro da OCDE: Portugal”.
O estudo lembra ainda que, “embora um sistema educacional com recursos insuficientes não possa fornecer bons resultados, a Estónia, com um nível de gastos com educação cerca de 30% inferior à média da OCDE, é, no entanto, um dos países com melhor desempenho” nas três áreas