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Há escolas à procura de professores desde o início do ano letivo
Lisboa, Setúbal e Faro são os distritos mais afetados. Rendas altas e salários baixos ajudam a explicar a dificuldade em encontrar candidatos.
Trabalho de Isabel Leiria
Desde o início do ano letivo, a meio de setembro, até ontem, as escolas públicas lançaram 16.837 horários para os quais precisavam de professores. Alguns são temporários, muitos são para todo o ano letivo, uns têm poucas horas, outros são completos. Comparando com idêntico período de 2018/19, são já mais 1800 pedidos.
A questão que se coloca a seguir é a de saber se as necessidades que sempre surgem ao longo do ano, decorrentes de baixas médicas ou da saída de professores para outras escolas, são facilmente supridas por docentes que não têm colocação. E, aqui, o problema também se agravou. Há alunos que ainda não tiveram aulas em várias disciplinas e que se arriscam a continuar assim por mais umas semanas ou até meses, como já aconteceu no passado ano letivo. Desta vez, as dificuldades estão a surgir mais cedo.
As matérias ficam em atraso, os pais protestam, os diretores desesperam perante a incapacidade de resolverem o problema e as esperas semanais por um candidato que faça as contas e que conclua que compensa aceitar aquela ocupação.
Dos 350 horários que estavam esta semana em oferta de escola, 225 correspondiam a vagas recusadas já por duas vezes por professores que estão nas listas de ordenação ou para as quais nem sequer havia candidatos (ver P&R). Os números foram apurados a pedido do Expresso por Davide Martins, professor de Matemática no Agrupamento de Escolas da Carlos Amarante (Braga) e colaborador do blogue de educação “ArLindo”. E dão conta de um problema que está longe de estar generalizado a todo o país mas que se concentra de forma preocupante em alguns distritos — Lisboa, Setúbal e Faro concentram 71% destes horários em oferta de escola — e em alguns grupos de recrutamento, como Informática, Geografia, Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC).
À PROCURA DE UM QUARTO
Conceição Bernardes é diretora do Agrupamento de Escolas Laura Ayres, em Loulé, um dos que tinha esta semana mais horários já recusados ou sem candidatos e que continuavam por preencher, estando agora na fase da oferta de escola (uma espécie de anúncio público a que pode concorrer qualquer professor com habilitação para o efeito). No seu caso, são cinco horários para o ano inteiro, cada um afetando várias turmas: um de História, um de Geografia, um de Informática, um de EMRC e outro para uma professora do 1º ciclo. À exceção deste último, que tem sido suprido por uma docente da escola que deixou as atividades de apoio que estava a dar para assumir a turma em falta, todos os outros têm estado sem aulas.
A explicação: “Há imensos professores a serem colocados no Algarve, mas não aceitam porque não conseguem arranjar casa. Um apartamento T1 que dantes era arrendado por 400 euros agora custa 700. Os professores ou conseguem dividir ou torna-se insuportável. E já não é alugado até 15 de julho. Agora só fica livre até maio e depois no final de setembro, quando há menos procura de turistas”, descreve a diretora. No agrupamento de Silves, com sete horários em falta desde o início do ano, mas todos incompletos (não chegam às 22 horas letivas), a dificuldade é a mesma: “Tivemos uma professora que aceitou um horário de seis horas porque conseguiu que lhe dessem um quarto a troco de voluntariado”, conta a diretora.
Depois há as baixas que vão aparecendo ao longo do ano, tornando os horários ainda menos apetecíveis, e que tendem a aumentar à medida que o problema do desgaste e do envelhecimento docente se vão agravando. No agrupamento de Silves estão três professores de baixa por depressão. Em Loulé, há casos de docentes com baixas de 18 meses, seguidas de regressos curtos e novas baixas prolongadas. “Não é possível ter todos os professores a trabalhar nas salas de aula até aos 66 anos. É um tiro no pé tratar todos por igual, porque há quem não tenha estrutura para aguentar”, avisa Conceição Bernardes, ela própria com 62 anos mas ainda com vontade de continuar a liderar a escola.
O problema é que a situação tende a agravar-se. Das sete educadoras de infância que ficaram colocadas em 2018/19 no Agrupamento de Loulé, apenas uma tinha menos de 50 anos. “Mais de metade dos professores da escola tem 50 ou mais anos. Imagine como será o cenário daqui a cinco ou dez anos, em que a maioria terá acima de 60”, alerta Paulo Campos, diretor do Agrupamento D. João II, em Sintra, onde faltam dois horários de Informática, um de Geografia e outro de EMRC. Em São Julião da Barra, Oeiras, já estão três horários em oferta de escola: Português, Francês e Geografia. Sendo todos parciais, a dificuldade de encontrar alguém ainda é maior. “Quem é que pode vir para aqui com 500 euros de ordenado e ainda pagar um quarto?”, pergunta o diretor, Domingos Santos. A autarquia está ciente do problema e vai disponibilizar “apartamentos e quartos para professores, mas também para polícias e outros profissionais que enfrentam as mesmas dificuldades”. A residência que nascerá na Fábrica da Pólvora, em Barcarena, por exemplo, terá uma quota de 40 quartos destinados a professores deslocados.
No ano passado e já neste, as direções têm resolvido os problemas redistribuindo horários ou recorrendo a horas extraordinárias por docentes da casa. “As escolas vão fazendo milagres. Às vezes fazem mesmo omeletes sem ovos”, desabafa a diretora de Loulé.
DISCIPLINAS ONDE FALTAM MAIS DOCENTES
Geografia
No início da semana, ainda havia 30 horários do 3º ciclo e secundário por preencher desde o início do ano letivo. Destes, 10 concentram-se no distrito de Lisboa e incluem lugares para todo o ano e horários completos. A vice-presidente da Associação de Professores de Geografia, Emília Sande Lemos, diz que a falta de docentes deve-se em parte ao aparecimento de novas oportunidades de trabalho para os geógrafos, designadamente na área das tecnologias de informação geográfica.
Educação Moral e Religiosa
O coordenador de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC), António Cordeiro, assegura que o número de professores disponíveis para lecionar esta disciplina opcional não tem diminuído. Mas o facto de se tratarem na maioria dos casos de horários de curta duração, espalhados por várias escolas, torna mais difícil conciliar a procura, o tempo dos alunos e a disponibilidade de professores. E lembra que estes docentes têm de ter, em regra, as mesmas habilitações que todos os outros (mestrado em ensino).
Informática
É uma das áreas mais problemáticas, com 57 horários que continuavam vazios esta semana. Fernanda Ledesma, presidente da associação de professores, explica que, entre 2010 e 2012, com o aumento de alunos por turma e os cortes em cursos profissionais, os professores que asseguravam TIC e Informática passaram de cinco mil para três mil. E a pequena recuperação que aconteceu a seguir foi insuficiente. “Quem saiu do sistema encontrou outras ocupações e não está disposto a voltar.”
P&R
Porque é que vão faltando docentes nas escolas?
Além de ajustamentos que só podem ser feitos no início do ano letivo, em função da entrada e saída de alunos e de professores que são colocados com redução do horário letivo (por idade e tempo de serviço), o que implica haver horas por atribuir, ao longo dos meses surgem outras necessidades decorrentes de licenças de maternidade, reformas ou baixas. Apesar de o Ministério não dar números, todos os diretores contam que há cada vez mais professores com problemas de saúde, por causa do envelhecimento da classe (um dos mais acelerados da Europa) e do desgaste profissional. Quanto a reformas, já se aposentaram este ano 1262 docentes.
E porque é que há mais dificuldades em Lisboa e no Algarve?
Nos últimos anos, milhares de docentes vincularam-se nos quadros de zona pedagógica destas duas regiões. Só que muitos acabam por sair e rumar a escolas do Norte, de onde são originários, ao abrigo dos concursos que permitem a aproximação a casa. Se houver um horário noutra escola, mesmo que incompleto (a partir de oito horas letivas), podem concorrer para lá, voltando a sobrar horários em Lisboa e no Algarve. E esta é uma das maiores causas deste desajustamento: a procura está no Sul, mas a maioria dos candidatos é do Norte. Outro indicador que reflete esta realidade são os pedidos de mobilidade por doença, que também têm aumentado muito. Em 2014/15 houve 2100 mudanças por doença, este ano foram autorizadas 7400. E 71% destes pedidos foram para escolas do Norte.
Como são preenchidos estes horários que vão aparecendo?
De cada vez que uma escola precisa de um professor para uma substituição lança esse pedido numa plataforma online, entre segunda e quarta-feira de cada semana. O programa do Ministério corre a lista ordenada dos candidatos que, antes do início do ano letivo, em julho, disseram estar disponíveis para determinados horários em determinadas zonas do país. Havendo coincidência entre o horário em falta e as preferências dos candidatos que estão nas “reservas de recrutamento” (RR), os professores são informados na sexta-feira, tendo dois dias úteis para aceitar ou não. A questão é que, entre o momento em que disseram estar disponíveis e a data em que são chamados, passam meses e a sua situação pode ter mudado completamente. Até podem já estar a trabalhar e recusam.
O que acontece a seguir?
O processo é repetido nos mesmos moldes por mais uma semana no caso de ter havido recusa do candidato mais bem classificado ou por não haver nomes na lista de RR. Se voltar a ficar vazio, então o horário passa para “oferta de escola” por mais uma semana. Esta etapa devia ser mais eficaz, pois o horário é publicitado e são os professores que dizem se estão interessados, podendo concorrer quem tem apenas habilitação própria, ou seja, sem o mestrado em ensino, obrigatório para os outros concursos. Só que às vezes também há recusas, quando se deparam com as tais dificuldades de alojamento, por exemplo.