Assiste-se com frequência, no discurso político, a uma propaganda de cunho enganoso, da qual ninguém pede contas a ninguém. Falta uma cultura de exigência neste domínio.
Manipula-se a verdade, induz-se em erro (quiçá conscientemente), criam-se falsas expectativas, frustram-se sonhos. E ninguém é chamado à responsabilidade, ainda que a criminalização da publicidade enganosa na lei portuguesa abranja também esse tipo de propaganda (art.º 41, n.º 8, DL n.º 6/95, de 17 de janeiro).
Quando o Governo publicou a lei de 5 de fevereiro (Dec. Regulamentar n.º 2/2019), anunciando que os trabalhadores da administração pública podem pedir a pré-reforma antes da idade legal (66 anos e cinco meses), ganhou, de pronto, o aplauso de muitas centenas de cidadãos, em especial professores já sexagenários, ou perto disso, muitos deles cansados e frágeis, alguns arrastando-se penosamente num sistema educativo cáustico que escraviza mais do que estimula, e que, aceitando perder uma parte do salário, poderiam usufruir dessa medida. Mas que engodo! O Ministério das Finanças não autorizou, nem deu sinal de autorizar, um único pedido de pré-reforma, sabendo-se que mais de 200 professores já a requereram. O dirigente sindical José Abraão, que até é da área política do Governo, reconheceu que se trata de “uma medida tomada pelo Governo para não aplicar”. E o ministro Centeno, no programa “Gente que não sabe estar”, disse com todas as letras: “Não se deve prometer o que não se pode dar”.
Em que ficamos então? A lei já devia estar a ser cumprida, mas o PS, no seu programa eleitoral, vem, ainda agora, prometer a implementação “ativa” da pré-reforma. Afinal, promete o quê? Não é bonito jogar com as expectativas dos cidadãos!
Este não é o tempo para ideologias políticas de direita ou de esquerda, ou de ficar agarrado à cor do partido político em que sempre votaram. É tempo de repor a justiça e de reconquistar o respeito.
Ler, ouvir ou ver notícias sobre os professores e o tempo de serviço que o Governo diz não ter dinheiro para pagar, nunca é demais. Particularmente para os professores e para as respetivas famílias que sentem, na pele, a falta do dinheiro pelo qual trabalharam, e a subtração do direito à mudança dos escalões para a progressão na carreira.
O congelamento das carreiras teve estas duas implicações: não houve aumentos e não houve progressões que, naturalmente, implicam aumentos. Já falámos de justiça num artigo anterior. Dissemos, na devida altura, que era um conceito objetivo: dar a cada um aquilo que é seu, e o que é que é seu e de cada um, é aquilo que cada um merece, e merece na medida em que dá, e deve dar de acordo com as suas capacidades. Este é o conceito objetivo de justiça. Sendo este conceito objetivo, completo, não dá margem para o conceito subjetivo da meia justiça.
Não existe meia justiça. Devolver dois anos, nove meses e dezoito dias de tempo de serviço aos professores é utilizar um expediente inexistente: a meia justiça. A fundamentação deste conceito, inexistente, segue aquela máxima: mais vale qualquer coisa na mão do que coisa nenhuma a voar, para calar a boca aos cidadãos que não estão habituados a fazer valer a justiça e os seus direitos, até ao fim. Tiques de outros tempos em que o lema era “comer e calar”. Outros tempos que alguns insistem em não esquecer. Nós somos o resultado da nossa história.
Fazer valer os direitos até ao fim. Esta frase é forte, pelo menos em Portugal. Até costuma utilizar-se outra: apurar responsabilidades até às últimas consequências, doa a quem doer. Parece que estamos numa brincadeira e, de vez em quando, vem alguém que diz: acabou-se a brincadeira. Por isso é que ninguém leva nada a sério… Ensina-se no Direito Administrativo, que é aquele ramo do Direito que regula as relações jurídicas entre a Administração Pública e os cidadãos, que para travar os administrados de fazer valer os seus direitos até ao fim, leia-se recuperar o tempo de serviço, basta que a Administração Pública utilize o argumento do interesse público, do bem comum, ou que se coloca em risco o equilíbrio das contas públicas, para qualquer Tribunal Administrativo dar por terminada a ação, ao abrigo da separação de poderes, não dando provimento às intenções dos administrados. Se isto não é xica espertice é o quê? Infelizmente é o que temos… O Estado coloca as contas públicas em causa, diariamente, com negócios ruinosos, e não há ninguém que se importe com o interesse público?
No próximo dia 6 de outubro vamos a votos. Que razões podem ter os professores para ir a votos? Existem cerca de 146.830 professores em Portugal (dados da Pordata para 2018). Muitos destes professores ainda têm os dois progenitores vivos, têm maridos, mulheres, irmãos, filhos, tios, primos, netos, afilhados, (etc…) e têm amigos. Se quiserem façam como o outro: é fazer as contas. Se cada professor exercer o poder de influência que tem, e se todos votarem nos partidos (que todos sabem quais são) que dizem que a recuperação integral do tempo de serviço dos professores é um imperativo nacional de justiça e de respeito, faz mossa ou não? Este não é o tempo para ideologias políticas de direita, de centro ou de esquerda, ou de ficar agarrado à cor do partido político em que sempre votaram, como se fosse o clube de futebol ou uma religião. É tempo de causas, é tempo de repor a justiça e de reconquistar o respeito.
P.S. Não sou sócio, adepto, filiado, simpatizante de nenhum partido político.
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Chegou-nos por email um horário um pouco estranho de um docente de apoio educativo a prestar serviço no 1.º Ciclo.
É deveras evidente que os intervalos deste docente são um pouco diferentes dos outros docentes sejam eles titulares de turma ou professores de apoio de um outro Agrupamento de escola onde não se olhe apenas para o “umbiguismo”. Parece que ser Professor de apoio é ser Professor de segunda…
Fica para que analisem e digam de vossa justiça se encontram algo de estranho ou não…
Daqui a quatro dias, todos poderemos votar (sem que nos possamos candidatar) para eleger alguns que, maioritariamente, nem sequer conhecemos. Chamamos a esta liturgia, de certa menoridade política, eleições legislativas. Neste cenário, demasiados protagonistas comportam-se como as antigas máquinas do tempo do vinil: tocam a música escolhida por quem tiver a moedinha. Exemplo? A repercussão que teve, em plena campanha eleitoral, a iniciativa de António Guterres.
Se aos dezasseis anos uma jovem portuguesa deixasse de ir às aulas, ainda que para defender uma causa tão nobre como a que Greta Thunberg defende, que diríamos dos seus pais e das autoridades? Se uma jovem diagnosticada com síndrome de Asperger fosse submetida à exposição e à pressão emocional a que Greta Thunberg está continuadamente sujeita, que pensaríamos do dever social de protegermos os menores, sobretudo antecipando o efeito que o fim da fama (que obviamente acontecerá) provocará no seu conturbado equilíbrio psicológico? Por iniciativa própria ou usada por outros, é inegável que Greta Thunberg teve o mérito de mobilizar o mundo, como outros não conseguiram. Mas porque a sua causa é boa, devemos ficar infantilmente embasbacados ante a sua retórica totalitária e o seu discurso populista? Que pensar dos políticos que a aplaudiram, depois de terem sido insultados por ela?
É perturbador ver o ódio na cara de uma jovem de dezasseis anos, enquanto o mundo, ávido de circo e sedento de emoções, fica embevecido com as divagações comuns com que ela trata o problema mais complexo e global que nos assola, como se os grandes emissores de CO2 se comovessem com os seus apelos.
Não quero subestimar o problema climático para que tantas instituições científicas nos vêm alertando. Mas tão-pouco posso ignorar a intoxicação das nossas cabeças com soluções que ignoram a sua complexidade. Não quero subestimar a iniciativa meritória da ONU. Mas tão-pouco posso ignorar a displicência com que parece olhar para a tensão entre a Arábia Saudita e o Irão que, essa sim, se explodir, provocará um “aquecimento” fatal, antes que a Greta volte à escola.
Depois disto veio Tancos. E na campanha ficarão por debater, para lá da fumaça, tantos temas decisivos para o nosso viver próximo, entre outros: a dívida pública e a dívida dos privados; o domínio estrangeiro sobre os nossos sectores estratégicos; a política externa, num quadro em que as relações internacionais são cada vez mais relações económicas e Portugal é um país economicamente dependente do exterior; as relações com a comunidade de língua portuguesa; o impacto da organização do trabalho na vida familiar e desta no aumento da indisciplina na escola e da violência (física e psicológica) no relacionamento entre os jovens; o despovoamento e a desertificação do interior; o equilíbrio entre o turismo de massas e o direito de vivermos com tranquilidade na nossa terra.
A análise dos programas eleitorais e o decurso da campanha que os promove mostra que a Educação não é tema que preocupe prioritariamente os partidos políticos. Mais do que a pobreza e inadequação de muitas propostas, é preocupante sabermos que o vencedor fará delas doutrina, sem qualquer sentido de urgência para resolver os problemas do sistema de ensino. Porque os políticos continuam a não entender que o que se passa é um problema deles e não dos professores já que, por mais variáveis que a Escola possa controlar, boa parte do que nela acontece é corolário das condições sociais e emocionais em que os seus alunos vivem. Com efeito, seria imperioso que os políticos entendessem a natureza holística da educação dos jovens, juntando ao currículo académico apoios sociais, médicos e psicológicos, para que a Educação se tornasse o factor mais poderoso de promoção da qualidade de vida de cada ser. Mas os problemas têm passado de governo em governo sem que o maior, qual seja o separar o interesse da criança, enquanto indivíduo, do interesse e das solicitações da sociedade, enquanto forma de organização colectiva, seja considerado resolutamente e financiado adequadamente.
Com este pano de fundo, precisávamos de um ministro que olhasse a Educação de cima a baixo. Provavelmente engoliremos, calados, um que vai olhar o chefe de baixo para cima.