O envelhecimento da classe docente envolve desafios imediatos, alguns menos óbvios, mas todos eles com um potencial de dano considerável.
Cândida repassa os olhos pela sala. Detém-se um pouco mais no seu flanco sombrio, debatendo-se, como se a penumbra fosse menos inclemente que o vazio que sente. Por entre as mesas rectangulares, filas sucessivas de fórmica verde esmagada, intersectam-se os cheiros do chão encerado, do medo impenitente dos alunos, à espera daquele último grupo do exame que lhes estragará a média e o futuro para sempre, e até do giz branco, não obstante o seu pó fino e áspero há muito se ter dissipado daquela e de todas as outras salas. Por fim, confidencia-me, sem hesitações:
— No final do mês, já cá não estarei.
Ainda não contrapus e ela já insiste para que reconsidere a minha conclusão. Existe outra versão bem distinta para o que chego a pensar. À beira dos sessenta anos, ela não desistiu da escola. Com as mãos apoiadas na secretária, renuncia, pelo menos, a enumerar pelos dedos. Limita-se a discorrer, a voz embargada por uma certa incompreensão: perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória, autonomia e flexibilidade curricular, educação inclusiva, uma sucessão de alguns decretos e dos mais variados acrónimos. Temo ainda contrariá-la, sobretudo na substância, mas talvez seja o tempo de abdicar um pouco dos meus princípios. E com isso não me rendo ao cinismo. Apenas aceito outro ângulo possível para aquele desfecho, reduzindo-o a um número: 41%. É essa a percentagem de professores com idade superior a 50 anos, em Portugal, segundo o relatório Education at Glance, produzido pela OCDE. No extremo oposto, ressoa ainda mais o facto de apenas 1% dos professores portugueses ter menos de 30 anos.
Pensarão alguns, esses sim com cinismo, que o envelhecimento da classe docente é um não-problema, porque a evolução demográfica também implica termos cada vez menos alunos. Portanto, num arrojo de programação tecnocrática, daqui a uns anos bastará aumentar o rácio de alunos por professor, diminuir o número de turmas, prever menos horários disponíveis por preencher, enfim, nivelar as coisas. Os arautos do pós-humanismo desdramatizarão, sugerindo que não faltará muito para os professores serem substituídos por máquinas. Esses utilizarão até à exaustão exemplos de aprendizagem auto-dirigida, como o da escola na nuvem, de Sugata Mitra, em que o papel do adulto na aprendizagem dos mais novos se reduzirá ao mero incentivo, se tanto.
A curto prazo, a programação acéfala, meramente economicista, não nos salvará, mesmo que um maior número de alunos por turma esteja longe de ser o factor mais determinante para a qualidade de ensino ou para o rendimento dos alunos. Por outro lado, o dia em que capitularemos, cedendo à desumanização total dos processos educativos, também ainda não se vislumbra. Até lá, o envelhecimento da classe docente envolve desafios imediatos, alguns menos óbvios, mas todos eles com um potencial de dano considerável.
Estudos bem recentes, como aquele coordenado por Raquel Varela, indicam como os professores portugueses estão expostos ao desgaste. Cerca de 80% dos participantes nesse estudo reconhece estar em exaustão emocional. Metade queixa-se da profissão não os realizar.
A longevidade pode ser um desígnio das sociedades, mas carreiras profissionais mais longas envolvem riscos de desgaste acrescidos, em especial na docência. Acresce que uma grande massa de professores mais desgastados e mais envelhecidos traduz-se numa classe com menor abertura à mudança. Se a maioria dos professores se encontra numa faixa etária em que a flexibilidade diminui, menor será a capacidade para incorporar os ajustamentos didácticos ou pedagógicos, sejam eles sustentados pela investigação ou a concretização de conveniências ideológicas, ao ritmo de cada governo