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Ago 31 2019
Ventos de mudança estão a trazer de volta ecos perigosos de outras épocas encenados por lunáticos e gente pouco recomendável a tomar protagonismo nos destinos dos partidos e dos governos em todo o mundo. Mas o nosso país também faz parte do mundo e, cada vez mais, também parte «desse» mundo.
Infelizmente, sabemos da teimosa dificuldade dos povos aprenderem com os erros que cometeram no passado permitindo que a história se repita e ideologias e correntes de pensamento indesejáveis regressem.
Começa a ser muito preocupante o esforço do governo e dos partidos da oposição em tentar limitar, ou mesmo extinguir, o direito à greve.
Têm intentado nesse sentido em várias classes profissionais num processo que visa impor e proibir.
Um bom exemplo disso tem estado a decorrer no caso das recentes greves dos motoristas de matérias perigosas, em que se tem assistido a um ataque aos direitos dos trabalhadores, impondo serviços mínimos, ameaçando judicialmente e tentando dissolver sindicatos. Tudo isso contando com a conivência de um povo que, unicamente preocupado em ter o “pitróil” para poder ir de férias, esquece-se que os trabalhadores têm estado apenas a travar uma luta recorrendo aos meios legítimos para o fazerem.
Mas isto é a consequência do que aconteceu no verão passado quando o governo e alguma classe política oportunista aplicaram a mesma fórmula virando o país contra os professores.
Fizeram terrorismo psicológico com os professores enviando comunicados e despachos para as escolas ameaçando-os com faltas injustificadas, processos disciplinares, ilegalidades e todo o género de artimanhas para causar medo nos profissionais de educação e desmantelar a greve.
E o país aplaudiu.
Usaram a comunicação social como máquina de propaganda enviando os seus sequazes virar a opinião pública contra os professores que nos passou a odiar sem nos darem sequer direito a expor as razões da nossa luta impedindo-nos de esclarecer a população.
E o país aplaudiu.
Fomos queimados na praça pública sem direito a nos defendermos.
E o país aplaudiu.
Impuseram aos professores serviços mínimos impedindo-os de fazer greve.
E o país aplaudiu.
E o comodismo de quem queria ir de férias e ter as notas dos filhos atribuídas resultou numa enorme perda de poder reivindicativo, não só para os professores, mas para todas as outras classes profissionais; para todos os trabalhadores por conta de outrem.
E o país, sedento de sangue e moldado de um espírito de inveja e maledicência gratuitas, estupidamente aplaudiu.
O mais grave de uma situação preocupante que revela o atropelo dos mais básicos direitos dos trabalhadores está no faco do povo não se aperceber que hoje afeta outras, mas amanhã poderá afetá-los a eles.
Mas como não foi travado o défice democrático desta gente que se diz nossos representantes, uma senda por esta via populista e tirânica continua imparável, permitindo que os monstros vão saindo detrás das pedras.
E assim, não foi espanto algum assistirmos ontem à chegada do último grito deste género de ideias e ideais hediondas propostas, desta vez, pelo CDS para os professores, encabeçada pelo desejo de punir grevistas faltosos.
Punir, ameaçar, perseguir, proibir, tudo palavras matizadas de intenções intimidatórias que não casam bem com a palavra “Liberdade”, as quais julguei não ver regressar tão cedo ao meu país – embora o meu desejo naïf fosse de que nunca mais voltassem. Mas elas estão aí, bem à frente dos olhos apáticos de todo este mar de umbigos desfalcados de valores socias, morais e solidários.
Noutros países a mentalidade é tão diferente da nossa. Nações mais produtivos, porque pensam de maneira diferente. Ali para os lados de mentalidades mais desenvolvidas, não se divide para reinar, antes pelo contrário, soma-se para beneficiar todos. Ali, os trabalhadores são premiados e valorizados pelas entidades patronais. Se a empresa deu mais lucro do que o esperado, parte desse lucro é repartido por quem contribuiu para que isso acontecesse, pelos trabalhadores que são o ativo mais valioso de qualquer empresa ou corporação. Um bom exemplo é o da Autoeuropa, que reparte lucros sob a forma de prémios de desempenho/produtividade, revelando-se um oásis numa terra de gente tacanha e cobiçosa.
Porém, não bastando toda esta alucinação repressora e persecutória pelas mãos de quem tem o poder, não satisfeitos com os (9 anos, 4 meses e 2 dias de tempo de serviço que os professores cumpriram e que não contou para nada nas suas carreiras, porque lhes foi roubado, começam a surgir ideias para impedir que progridam nas suas carreiras e que, de preferência, fiquem a receber pouco mais do que o salário mínimo.
É um pensamento tão típico do povo português e do nosso patronato que sempre investiu numa política dos baixos salários. Não se premeia os trabalhadores, não se incentiva à produtividade, não se valoriza o seu trabalho. Antes pelo contrário, tenta-se por todos os meios que o trabalhador, por mais e melhor que trabalhe, não consiga progredir na carreira nem ver reconhecido o seu trabalho.
Entre outras tentativas de fazer passar a qualidade do trabalho dos professores pelo Ministério das Finanças, agora o CDS conseguiu inventar mais um obstáculo – fazer depender a progressão na carreira dos professores em “provas públicas a prestar em instituições de ensino superior públicas devidamente credenciadas para o efeito” e “assente no mérito “.
Mas eu julgava que o curso – que tanto trabalho me deu a tirar – tinha sido reconhecido como válido pelo estado! Ao fazer isto, o mesmo estado estaria a retirar legitimidade aos cursos que ele próprio certificou, não reconhecendo a sua autenticidade para atestar a qualificação para o qual se destinavam. Uma completa aberração vinda de quem não encontra limites para tingir os seus fins… políticos.
Gente que nem sequer sabe – ou finge não saber – que os professores, mesmo depois de queimar as pestanas a tirar o curso que os habilita à docência, ainda têm formação contínua creditada que frequentam ao longo de toda a vida, o que não acontece em todas as profissões.
E o povo – essa massa que se esconde na cobardia e impunidade de não ter rosto – desconhecendo que, além da formação continua que frequentam anualmente, os professores também têm de participar em projetos e atividades escolares curriculares e extracurriculares, apresentar assiduidade, os relatórios de autoavaliação, sujeitarem-se à observação de aulas (por vezes mesmo depois de 3 décadas de profissão) e sujeitarem-se a cotas para poderem progredir na carreira e auferir mais umas míseras dezenas de euros.
Mas, imersos em sentimentos pouco nobres, ignorando a verdadeira vida profissional dos professores, o país continua a aplaudir.
O mais obsceno de toda esta situação é a proveniência destas propostas insultuosas – vêm de uma classe política pouco muito respeitável.
E quanto ao “Mérito”, a que acrescento “transparência”, já que insistem, vamos lá falar disso.
Não são os professores que tiram cursos ao domingo ou com equivalências de cadeiras que lhes permitem diplomas sem pôr os pés numa universidade, ou falsificam as suas habilitações académicas para aceder a cargos de chefia.
Não são os professores que conseguem o seu posto de trabalho por cunha, por cartão partidário ou por serem familiares de membros governamentais, antes pelo contrário, são obrigados a percorrer o país com a casa e os filhos “às costas” para poderem ter direito a esse tão apetecível trabalhão que mais ninguém quer para não ter de sair da sua zona de conforto.
Não vejo a classe política a prestar provas para justificar os lugares bem assalariados e cheios de regalias que lhes são atribuídos, não por mérito próprio, mas por nomeação direta.
Não os vejo a serem obrigados a ter de prestar provas quando o resultado do seu trabalho é desastroso para o país.
Não os vejo a terem de fazer formação contínua para se atualizarem e melhorarem o seu desempenho profissional.
Não os vejo a despenderem do seu bolso os custos inerentes ao desempenho da sua profissão, como despesas de deslocação e de estadia.
Não os vejo a terem de trabalhar cerca de quatro décadas e meia para terem direito a uma reforma cada vez mais magra.
Eles estão tão preocupados com a avaliação e a progressão na carreira dos professores, mas a mim o que mais me preocupa é as verdadeiras questões que deveriam estar a ser debatidas pelo país:
Quem os avalia a eles?
Quem os responsabiliza pelas más governações?
No meio de tantos escândalos de nomeações de familiares que vão do marido ao periquito – todos a comerem do mesmo tacho – políticos que criticaram e perseguiram os docentes, mas que fugiram ao fisco, esconderam rendimentos, mentiram para receberem indevidamente ajudas de custo de residência e de deslocação, corromperam e foram corrompidos estando a braços com a justiça, deixaram o país em más condições económicas, premeiam-se com reformas chorudas ao fim de uma mera dúzia de anos de serviço, terem o desplante de virem dar lições de profissionalismo e de moral aos professores são a prova acabada da miséria moral que abunda numa classe política povoada pela mediocridade e pelo oportunismo.
Que exemplo dão eles para terem o mínimo de autoridade moral para nos poder criticar?
Só lhes peço que nos façam um enorme favor – não nos confundam convosco e respeitem-nos!
Posto isto, como me é possível não sentir só vergonha da nossa classe política, agora também começo a nutri-lhes um particular sentimento de nojo.
Desenganem-se aqueles que acham que os grandes perigos do mundo estão na loucura e falta de vergonha de políticos no estrangeiro, uma vez que por cá a nossa classe política está longe de ser um exemplo, de tão podre, incompetente e inútil que se afigura.
Não foi por nossa causa que o país já esteve à beira de três bancas-rotas.
Não temos sido nós a encher os noticiários com casos de peculato, compadrio, favorecimentos e corrupção.
Não temos sido nós a nos servimos do país em vez de servir o país.
À imagem do que aconteceu noutros tempos, chegará o dia em que olharemos para trás e diremos “Como foi possível que deixássemos tudo isto acontecer?”.
Infelizmente, estando nas nossas mãos o poder de evitar que chegássemos a esse ponto, atordoados por um estado de sonambulismo e cáustica inveja coletiva, temos a tendência de nos apercebermos quando já é tarde demais.
O povo está longe de ser uma vítima das conjunturas; ele é um resultado das suas escolhas, pois se somos mal representados, é o povo quem os escolhe, pelo quem não é vítima, é cúmplice.
Como um circo a pegar fogo, embalada neste espetáculo populista que leva à perda de direitos e de liberdades, a democracia está a ficar mais pobre… e o povo continua cego a aplaudir.
Carlos Santos
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