Enquanto os social-democratas brincam às lideranças, os socialistas no Governo brincam com as tabelas de IRS e preparam a vitória nas europeias e a maioria absoluta nas legislativas de outubro.
As tabelas de retenção de IRS publicadas na sexta-feira são um exercício de gestão eleitoralista que só encontra paralelo em 2015, quando Maria Luís Albuquerque, em véspera de eleições, prometeu a devolução parcial da sobretaxa de IRS.
Para que houvesse lugar à devolução do IRS, o Governo PSD/CDS determinou que era preciso que as receitas do IRS e do IVA ficassem, no conjunto, acima do valor inscrito no Orçamento do Estado. O Governo até colocou no portal das Finanças um simulador, em que cada contribuinte poderia ver quanto receberia de crédito fiscal caso se mantivesse o ritmo de aumento da receita até ao final do ano.
Em agosto de 2015 prometia devolver 35,3% da sobretaxa de IRS, em setembro 9,7% e, quando saíram os números de outubro, já depois das eleições que o PSD ganhou, afinal a devolução da sobretaxa seria de 0%.
“O que mais me magoa é a forma despudorada como se brinca com a sensibilidade das pessoas e a sua falta de conhecimento técnico [sobre assuntos fiscais] e, consciente e deliberadamente”, lamentava na altura o bastonário Ordem dos Contabilistas Certificados, Domingos Azevedo. E o conhecimento técnico que faltou aos eleitores foi perceber que o perfil da evolução das receitas de IVA + IRS era igual todos os anos, ou seja, desciam sempre no final do ano.
Na altura, o secretário-geral do PS, António Costa, acusava o Governo de ter criado antes das eleições “a mentira” e o “embuste” de que os contribuintes iriam recuperar 36% do total da sobretaxa de IRS em 2016. Quando chegaram ao Governo, os socialistas prometeram fazer diferente: “As tabelas de retenção na fonte não são, nem nunca poderiam ser geridas de forma eleitoralista”, prometia no ano passado o secretário de Estado António Mendonça Mendes, numa entrevista o Expresso.
Prometeu e não cumpriu. As tabelas publicadas na sexta-feira são a confirmação de que o Governo PS vai colocar toda a carne no assador fiscal este ano (ano de três eleições), à custa de rendimentos do ano passado e à custa dos de 2020.
No ano passado, depois de anunciar o aumento do número de escalões, de cinco para sete, o Governo deveria ter ajustado de imediato as taxas de retenção na fonte de IRS de forma a espelhar a baixa de IRS. Não o fez, ou melhor, fê-lo de forma parcial. Isso fez com que ao longo de 2018 todos os contribuintes estivessem a pagar mais IRS do que aquele que deveriam. O que quer dizer que em junho/julho, algures entre as europeias e as legislativas, os contribuintes vão receber o cheque do reembolso relativo aos rendimentos de 2018 mais generoso, à custa do que andaram a pagar a mais em 2018.
Além disso, ao ajustar na sexta-feira finalmente as tabelas de retenção para um nível mais próximo da taxa efetiva, os contribuintes vão ainda sentir este ano um alívio todos os meses, mas em contrapartida vão receber um reembolso menor em 2020. Ou seja, o Governo sacrifica 2018 e 2020 à custa de 2019, ano de eleições. É verdade que o Governo já tinha avisado no ano passado que a reforma do IRS iria ser feita “em duas fases”. Só que não é por nos avisarem que nos vão fazer de parvos que nos sentimos menos parvos.
O Governo também faz questão de concentrar a baixa do IRS onde há votos. Alivia o IRS apenas para os rendimentos até 40 mil euros/ano, conseguindo com isso “apanhar” 85% dos agregados familiares. Já quem ganhe mais de 3.094 euros brutos por mês (pouco mais de 1.800 euros líquidos) em Portugal já é considerado rico e, como tal, não vai beneficiar do alívio fiscal.
Por esta razão é que o “enorme aumento de impostos” de Vítor Gaspar – 3 mil milhões de euros — é substancialmente maior do que o “enorme alívio fiscal” de Mário Centeno – que baixou os impostos em mil milhões de euros. A diferença entre os 3 de Gaspar e o 1 de Centeno continua a ser carregada pela classe média que em Portugal tem salário de remediado e fiscalidade de rico.
Em ano de eleições, o Governo também aponta baterias a um grupo que costuma ser rentável em termos de votos, mais concretamente 3,5 milhões de votos. São os pensionistas. Este ano não vão ter 1, nem 2, nem 3, nem 4, mas 5 alívios no rendimento. Além do aumento da pensões de janeiro determinado pela lei, os reformados ainda beneficiaram em janeiro do aumento extra das pensões que perfez um aumento mensal de 10 euros. A nível fiscal, e olhando para as tabelas publicadas na sexta-feira, são o único grupo que consegue nas tabelas um desagravamento por duas vias: pela descida da taxas e por via da atualização dos escalões. Além disso, os pensionistas com dependentes a seu cargo vão passar a ter uma benesse que não tinham: por cada dependente a cargo, a taxa de retenção ganha um bónus de 0,5 pontos percentuais.
Para não deixar derrapar as contas, o Governo vai buscar trocos a lugares insuspeitos, por mais imorais que possam ser. Ao não atualizar os escalões de IRS à taxa de inflação atira todos os contribuintes que estão nas franjas, e que tenham recebido um aumento salarial acima da inflação, para o escalão seguinte. São mais 60 milhões de euros para os cofres do Estado.
Além disso, as tabelas de retenção deixam de fora os deficientes que, a par dos ditos ricos, são os únicos que não veem ser-lhes ajustadas as taxas, nem os escalões. Sejam trabalhadores dependentes, pensionistas ou ainda deficientes das Forças Armadas. O Governo argumenta que já têm outros benefícios, nomeadamente que o seu primeiro nível da tabela de retenção é superior ao dos outros contribuintes. Mas isso é verdade hoje como já era verdade há um ano quando tiveram um ajuste igual ao dos restantes contribuintes. Como diria o saudoso bastonário, “o que mais me magoa é a forma despudorada como se brinca com a sensibilidade das pessoas”.