Trovas das ondas do mar
Sentei-me junto ao mar e falei com as ondas.
Enquanto eu lhes contava os meus pensamentos ouvia o doce bailado de fundo cantado pelo mar:
“OLHA QUE COISA MAIS LINDA, MAIS CHEIA DE GRAÇA, QUE VAI E QUE PASSA…”
Disse às ondas que no país onde vivo há um submarino chamado Tridente.
O Tridente não tem portas e está avariado.
É Tridente, não porque goste de chicletes, mas porque Neptuno, o deus dos mares, usa um tridente, uma espécie de garfo para mexer o sargaço.
Parece que o lança-torpedos do garfo-submarino enguiçou e vai daí um homem com muita pasta que não lhe pertence, mas com ares de manda-chuva, mandou arranjar o barco-garfo no país do aço e pagou 26 milhões pelo conserto.
As ondas perguntaram-me se o meu país era rico.
“OLHA QUE COISA MAIS LINDA, MAIS CHEIA DE GRAÇA, QUE VAI E QUE PASSA…”
Eu encolhi os ombros e disse que ainda não sabia responder aquela pergunta, que era um país que estava entre os quarenta países mais ricos do mundo e que o mundo tinha mesmo muitos países.
Como as ondas me continuaram a embalar na sua dança, eu fui fazendo os meus desabafos …
Disse-lhes que no meu país há hospitais para todas as pessoas mas com aparelhos de cirurgia que falham porque já estão velhos e não foram reparados com a regularidade devida.
As ondas, na sua cantilena melodiosa, perguntaram-me se o meu país era pobre.
Que mania de fazer perguntas difíceis!
Encolhi os ombros e respondi que, apesar de andar com a cabeça entre as orelhas há muitos anos, ainda não sabia responder aquela pergunta.
De súbito, e numa reviravolta marítima, as ondas gritaram-me: VAI PARA A ESCOLA APRENDER E DEPOIS VEM-NOS DIZER!
Eu encolhi os ombros e lá fui deixando para trás aquela melodia a sussurrar baixinho: “OLHA QUE COISA MAIS LINDA, MAIS CHEIA DE GRAÇA, QUE VAI E QUE PASSA…”
Entrei na escola e por lá estive ao lado dos baldes que aparavam a água da chuva. Tiritei de frio, mas obrigaram-me a pensar. Aprendi, aprendi, aprendi e voltei ao mar porque é da força dele que eu gosto.
Lá me sentei a olhar o céu e a ouvir as ondas a bailar. Elas mal me viram perguntaram:
– Então, já sabes a resposta?
Eu disse:
– Gosto muito deste som (“OLHA QUE COISA MAIS LINDA, MAIS CHEIA DE GRAÇA, QUE VAI E QUE PASSA…”), mas NÃO SEI A RESPOSTA e vou mas é para casa ver as tricas do futebol porque uma coisa eu sei: ESTE PAÍS NÃO É PARA QUEM PENSA!
As ondas enraivecidas e furiosas gritaram bem alto:
– Vais fugir? Podes até enfiar a cabeça na areia e emburrecer ainda mais a ver os escândalos da bola, mas não dês a ninguém o prazer de te calares quando estás perante perguntas difíceis!
Aí com determinação devolvi-lhes a provocação:
-Então eu ficarei aqui eternamente desde que continuem a cantar, mas digo-vos desde já que este país só é pobre de espírito e buçal nas decisões, pois se não estamos em guerra e no lança-torpedos gastamos milhões é porque as escolas e os hospitais não precisam de condições!
As ondas muito contentes e mais cantantes que antes murmuravam em uivos de sete vozes:
-Vês como respondeste!
-Sim, respondi sem responder porque este mundo de hoje já não se entende. Já não há os bons, nem há os maus, nem se paga, nem se chama trabalhador a quem trabalha, nem colaborador a quem colabora, nem se dá o descanso devido aos que trabalharam uma vida inteira e que depois de muitos anos merecem dignidade na aposentação. Já se mente dizendo que toda a verdade está na net e nela se mente mais que na soma do passado. Já não há Russos nem americanos… Há cidadãos do mundo e velhos dos marretas que querem agarrar poderes polimórficos. Também há quem pense no todo que é a humanidade e na lentidão da sua marcha para a justiça e para a paz.
“OLHA QUE COISA MAIS LINDA, MAIS CHEIA DE GRAÇA, QUE VAI E QUE PASSA…”, cantavam as ondas.
Arreliada gritei:
-Cantem, cantem, continuem a cantar a vossa melodia porque se algum dia ela se cala cala-se a energia que dá força a este universo quase perfeito com esta humanidade tão criança.
Colei-me ao mar, à sua força e ao seu som para nunca mais dali sair e ficar feliz só pelo seu cantar. Afinal o mar não serve apenas para ouvir os nossos desabafos! Todos temos direito a obter respostas.
E o mar perguntou: _ Porque não contam 9 anos, 4 meses e 2 dias no serviço prestado pelos professores?
OOOOOOOOHHHH, NÃOOOOO!
Rosa Maria