Num país longínquo, situado lá para de trás de umas serras do norte, de um desses continentes à deriva, existia um Rei (o nome do país não interessa a ninguém e eu não o consigo pronunciar).
Nesse país, tudo corria “buéda” bem. Todos eram felizes e andavam contentes, ninguém se queixava da vida que levava.
Certo dia, o Rei, Sua Majestosidade Majestosa, reuniu os seus ministros para saber se, ainda, corria tudo “buéda” bem.
Chegada a vez de Sua Sabedoria, o Ministro da Educação, se pronunciar, ficou o Rei, elucidado de que o seu povo sabia aplicar com a fonética correta e a frequência desejada os seguintes termos, demonstradores da sua educação imaculada: Bom Dia, Boa tarde, Boa Noite, Obrigado (de preferência com “muito” atrás), Por favor, Se faz o favor e o mais importante de todos, Com certeza meu senhor, tem toda a razão.
O Rei, pensativo sobre o que acabara de ouvir, envia o ministro num périplo pelo país para que o mesmo se inteirasse do estado das tais escolas que seu tetra-avô tinha mandado edificar, aproveitando para verificar o estado educacional da plebe.
Deslocou-se o ministro para lá das serras que faziam parte das outras serras atrás das quais se situava aquele longínquo país. Lá chegado e já que lá estava, decidiu entrar numa daquelas salas onde se aglomeram crianças repetindo vezes sem conta aqueles, Bom Dia, Boa tarde, Boa Noite, Obrigado (de preferência com “muito” atrás), Por favor, Se faz o favor e Com certeza meu senhor, tem toda a razão.
Mal pôs o pé dentro da sala, um silêncio ensurdecedor se abateu sobre aquele lugar, ecoando pelo corredor a fora até bater na velha porta da escola, que de tão velha se soltou das dobradiças. Depois das vénias e cantares da praxe, lembra-se o ministro de perguntar a uma catraia, que por ali se sentara por não ter mais onde o fazer, o seguinte:
– O que queres ser quando fores grande, minha menina?
– Eu queria ser professora, mas o meu pai não me deixa! – retorquiu a catraia.
– O teu pai não te deixa! Então porquê? – perguntou, o indignado ministro.
– Porque diz que para ser mal tratada, por tudo e por todos, mais vale ficar em casa que ele trata disso sozinho.
– O teu Pai… o teu pai… – gagueja o ministro, visivelmente alterado.
– Mas sabe que mais? – continuou a catraia – Ele até tem razão. Senão vejamos, uma professora não se pode casar e eu já tenho o meu Zé à espera lá fora.
– Não se pode casar? – perguntou o admirado ministro.
– Não. Como é que ela se vai casar a mudar constantemente de casa e a andar de terra em terra? Não pode. É que nem tem tempo para namorar. – à catraia até se lhe avivaram as cores, da raiva que sentia ao falar.
– Não será bem assim. Podes sempre namorar com um professor! – tentou o ministro para ver se acalmava a garota.
– Eu não sou mulher de muitos homens. Já lhe disse que o meu Zé já deve estar lá fora à minha espera…
– Calma, minha menina, não foi essa a minha intenção…
– E mais! – a catraia, visivelmente “cheia de nervos”, lança-se num turbilhão de afirmações – As professoras são umas desgraçadas. “São ninguém” a vida toda. Se não têm 730 dias, não trabalham. Se têm, tapam os buracos das outras. Se são novas, é porque têm toda a vida pela frente para os ter, se são velhas, têm que ter 7300 dias. Se são contratadas, calcorreiam caminhos, se são vinculadas caminhos calcorreiam. E até para isso é preciso ter sorte, porque há aquelas que têm carros sem travões e aquelas que ao tê-los têm que ter quatro, se algum dia querem parar. E sabe que mais, vossa mercê? O meu pai é que tem razão!
O ministro, confuso, agradece os esclarecimentos à catraia e pede ao seu assessor que nunca mais se lembre de o aconselhar a manter diálogos com a plebe.
De volta ao palácio de Sua Majestosa Majestosidade, acerca-se o ministro do seu soberano para lhe dar as boas novas dos confins do reino.
– Queira Vossa Majestade saber, que tudo continua “buéda” bem com a educação de seu povo. E às escolas de seu tetra-avô, além de um parafuso ou de outro, nada lhes aconteceu que as impeça de prestarem o serviço para que foram edificadas.
(falta-me, agora, conseguir transformar isto num teatrinho de Natal….)