É difícil atingir a concórdia com tanta gente junta à mesma mesa. E cada vez era pior, sobretudo, porque o homenzinho das tabelas coloridas insistia em criticar cada decreto-lei produzido, teimava em apontar defeitos em cada lei primorosamente refletida em cada gabinete simpaticamente inspirado à beira Tejo.
Estava farto o excelentíssimo secretário de estado da educação e exigia que se desse exemplo de celeridade e competência dos serviços. Havia dias em que, em coro, lhes apetecia apenas, a todos, mandar o homenzinho das listas coloridas, enervante e intriguista, comer as tripas todas.
Não havia sossego com aquele tipo sempre a imiscuir-se nas tarefas alheias. Por isso, a excelentíssima diretora dos serviços gerais ordenou à respetiva secretária assessora que trouxesse consigo já uma solução definida para acelerar os procedimentos.
Determinada a cumprir o pedido, ponderou numa ideia visionária para resolver os contentos. Largamente dada às espiritualidades, pareceu-lhe, até, bastante óbvio o caminho. Por isso, logo no início da reunião, apresentou uma tábua de ouija que assentou sobre o centro da mesa.
Os presentes entreolhararam-se com uma efervescente curiosidade e escutaram a sua interlocutora que explicou com uma aquática clareza as regras, ponto por ponto.
– Meus senhores, para evitar detenças e assumirmos com eficácia e confiança as decisões aqui tomadas, há que escutar o que nos diz a tábua. Cada um coloca suavemente o dedo sobre o indicador móvel. Repito, suavemente, para não se aldrabarem as respostas. A questão é lida e o indicador seguirá para a resposta mais adequada a cada caso. Não há cá dúvidas, ok? É o que a tábua manda, certo?
Um burburinho de entusiasmo apoderou-se do conselho, que ninguém gosta de chegar tarde a casa, e todos assentiram. Depois, posicionaram-se ordeiramente sobre o tabuleiro e o representante do conselho jurídico começou a ler a listagem de questões com voz bem sonante.
– Então, vamos lá a saber, podem os professores colocados no MI permutar?
E, ligeirinho e célere, o indicador desenhou um simpático sim.
Os presentes sorriram e registou-se a resposta dada para integrar num decretozito seguido de uma notinha informativa que esclarecesse quaisquer dúvidas sobrantes.
– Os permutantes devem ser os de 1ª prioridade?
E, ligeirinho e célere, o indicador desenhou um simpático sim.
– E os de 2ª prioridade também podem permutar?
E, ligeirinho e célere, o indicador desenhou um “depende”. Os presentes entreolharam-se, espantados e o representante jurídico prosseguiu:
– Os de 2ª prioridade que ficaram colocados permutam?
Logo ali surgiu um “sim” esplenderoso.
– E os que não ficaram colocados?
E, ligeirinho e célere, o indicador desenhou um enfático “não”.
A excelentíssima diretora dos serviços gerais engoliu em seco, porém a respetiva secretária assessora, apossada de um poder irrefutável pela hierarquia ali presente, rematou quaisquer dúvidas que subsistissem.
– Pronto, agradeçam e despeçam-se. A tábua nunca falha, nunca se engana.
E, assim, pela primeira vez na história dos serviços administrativos da educação houve consenso absoluto e uma reunião de breves 10 minutos em que tudo se decidiu a contento de todos e todos seguiram para lanchar ainda em casa.
5 comentários
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fantástico..e eu a pensar que esta tábua era só utilizada em algumas decisões no meu agrupamento…já chegou lá em cima!!!!!!!! é mesmo excelente esta tabuinha….
É desolador pensar que aqueles que tomam decisões relativas “às vidas” dos outros, o fazem desta forma…desvalorizando essas mesmas vidas, fazendo-lhes sentir a dor da injustiça…
Muito bom! Agora somos nós a brincar com a tábua: vamos lá colocar os dedinhos… “Vamos ficar tristes e desolados enquanto estes senhores brincam connosco?!”…. NÃO!
Medida arbitrária mesmo!!! Sem lógica nem justiça!!!!
Alguém já fez uma exposição por escrito sobre o assunto para o Ministério. No sindicato aconselharam-me a fazer e tenho pouco jeito para este tipo de escrita oficial.