A história resume-se em poucas linhas.
O meu sobrinho mais jovem frequenta um colégio de elite. Daqueles que são pagos mensalmente com o salário inteiro de um pobre professor contratado. Foi uma decisão ponderada, face à profunda crença que a minha irmã tem num ensino de estilo católico, mais protegido, com um percurso escolar bem vigiado e exigente. Nada equiparável, obviamente, à miserável escola pública, mesmo aquela que lidera o topo dos rankings.
Apesar de ter contestado esta decisão, como professora do ensino público que sempre fui, habituei-me a vislumbrar no uniforme do miúdo a sua própria personalidade, de caráter forte, mas leal, caraterística, na verdade, mais resultante da família em que se insere, do que da escola que frequenta.
Há pouco tempo porém, algo me fez arrepiar de susto e espanto.
Por detrás dos muros da etiqueta e do civismo, o meu sobrinho jogava à bola com os colegas num intervalo, quando esta lhes fugiu e se foi depositar, calmamente, junto de alguns alunos mais velhos.
Manda a cordialidade e o bom senso que bola alheia seja devolvida. O que se passou, porém, foi algo mais rocambolesco e inimaginável.
Um dos alunos mais velhos encontrou ali um redondo propósito para exercer violência gratuita. Por um inexplicável motivo, resolveu usar as muletas que possuía para bater com estas ene vezes na cabeça do meu sobrinho, até aquele cair praticamente inanimado no chão.
Durante este período de tempo, não houve um adulto na proximidade que socorresse o miúdo deitado no chão, o qual teve de ser levado pelos seus companheiros para a enfermaria que contactou o INEM e os pais. Por fim, foi encaminhado para o Hospital, sendo-lhe detetado um traumatismo craniano.
Só horas depois do sucedido falei com a minha irmã, e não consigo sequer expressar o horror que senti ao perceber, nesse instante, que no mesmo dia em que nasceu, o meu sobrinho podia ter perdido a vida. Sim, o colega de quinze anos que o agrediu escolheu, precisamente o dia em que o garoto fazia onze anos…
Da queixa feita no colégio e na polícia descobriu-se apenas duas curiosidades: que o regulamento interno não prevê qualquer sanção para este ou outro tipo de comportamento desajustado e que um aluno que reprove na disciplina de Religião e Moral é expulso daquela instituição. O jovem de muletas, como é verdadeiramente um iluminado e um sortudo, teve apenas direito a dois dias de suspensão pela vilania cometida.
Parece que há pesos e medidas diversos numa escola que visa formar cidadãos “honestos e bons cristãos”, afinal, por lá, como por tanta escola privada que anda por aí, no cuidado pastoral das almas pesa apenas o apelido de alguns.
Porém, de acordo com a visão de alguns pais destes colégios, se isto tudo se isto se passasse na Brandoa ou em Chelas, por exemplo, com a falta de funcionários que por aí rasa, a nossa história teria um final bem diferente. Em vez de o meu sobrinho ter de ir prestar declarações ao tribunal, estaria agora a ajustar contas com o marginal que o atacou, com os respetivos gangues de cada lado a afinar as navalhas.
A esses apenas respondo: ah, bendita escola pública que tão bem nos prepara para a vida!!!…