A FAVOR DE UMA ESCOLA DE PESSOAS
O Externato Delfim Ferreira (EDF), em Riba de Ave, Vila Nova de Famalicão, possui desde 2008 um Curso Profissional de Artes do Espectáculo – Interpretação que, alcançou, nos últimos anos, uma qualidade de formação na área do Teatro reconhecida a nível nacional. Para a qualidade e resultados alcançados contribuíram, de forma determinante, o trabalho e a visão estratégica da Equipa Coordenadora (Directora de Curso e Psicóloga) em permanente articulação e construção com os formadores, os parceiros, os pais/encarregados da educação e os alunos. Esta evolução do curso verificou-se de forma expressiva e inequívoca com a vinda do Curso para Vila Nova de Famalicão, em instalações cedidas pela Câmara Municipal, surgindo aquilo a que se designou Escola de Teatro do Externato Delfim Ferreira. Sendo um pólo exclusivamente dedicado ao teatro, todo esse trabalho se potenciou e ganhou ainda mais visibilidade.
Incompreensivelmente a actual Direcção do Externato não pensa da mesma maneira e no espaço de dois meses conseguiu deitar por terra, de forma irremediável, tudo o que tinha sido construído durante todos esses anos.
Nos últimos dias de Novembro de 2014 o curso encontra-se sem a anterior coordenação (a Directora de Curso foi suspensa com um processo disciplinar e a Psicóloga despedida), os alunos, apoiados pelos pais/encarregados da educação, não vão às aulas há duas semanas e os formadores da componente técnica suspenderam as suas aulas, como forma de protesto.
Uma Escola onde ir para as aulas era um prazer; onde se aprendia porque se queria saber; onde ensinar era estimular o olhar diferente sobre si próprio e o mundo; onde quem não gostava de ler começava a ler; onde quem era diferente fazia a diferença; onde todos tinham lugar e eram indispensáveis; onde se descobria a cultura, a arte e a pessoa; onde a relação professor/aluno era construída na confiança, na partilha, no respeito mútuo, na aceitação positiva do aluno, na disciplina da responsabilização, na capacidade criativa, no cumprimento de regras fundamentadas e no respeito pela liberdade de cada um, passou a ser uma Escola onde o autoritarismo e a prepotência são prática diária; onde a indumentária é mais importante que o saber; onde o aluno não é mais do que um número, uma factura ou nome; onde não se gosta de Teatro; onde se diz, em contexto de sala de aula, “que as pessoas do teatro são gays, lésbicas, bis e excluídos da família”, com aplausos e louvores por parte da direcção do EDF; onde não se está interessado em compreender a dinâmica de um curso de artes; onde não se valoriza os profissionais; onde não se ouvem os pais; onde se dispensam sumariamente as pessoas, colocam processos disciplinares, substituem professores sem uma única palavra ou possibilidade de comunicação.
É contra essa Escola que nos manifestamos: contra a escola das batas e uniformes; contra a homofobia e a falta do mais elementar respeito pela pessoa e pelo processo educativo; contra as birras e arbitrariedades de quem pode mas não sabe mandar; contra as escolas/empresas em que o ensinar e o aprender são apenas detalhes insignificantes no meio dos números, facturas e contas; contra a incompetência mascarada de rigor; contra os tão apregoados valores e princípios permanentemente adulterados e esquecidos; contra a permanente desculpabilização e dificuldade em assumir o que verdadeiramente se quer; contra o aproveitamento do trabalho do outro em proveito próprio; e de forma clara, assumida e definitiva contra o medo. O medo de poder tomar posições, poder manifestar-se, poder não estar de acordo.
Manifestamo-nos a favor de uma Escola de Teatro, ou de qualquer outra Escola, em que os alunos vêm porque querem e choram quando vão de férias; em que não ter fim de semana e feriados custa, mas se faz por prazer; em que todos se unem para um objectivo comum; em que todos temos voz e vez; em que a Pessoa é respeitada como é e aprende a gostar de si própria assim mesmo, como é; em que não se tem medo de errar; em que se aprende que o trabalho e o esforço compensam; em que se olha o problema como um desafio; em que o que se veste ou o passado não interessam, mas sim a atitude; em que se chora, se ri, se dança, se canta e principalmente se gosta, se gosta muito; em que se aceitam as críticas e se persiste na procura de se fazer cada vez melhor; em que a disciplina é “pior do que a tropa”; em que se um falha, todos falham; em que as provas de avaliação são feitas à frente do público, de todos, da família, dos pais, do namorado, da namorada; em que as parcerias e colaborações são sempre bem-vindas. Uma Escola em que se é livre e responsável; uma Escola em que se formam pessoas e depois actores.
É esta a Escola que não queremos perder. Não é uma Escola perfeita, pois está sempre em construção, mas tem sempre, mas sempre, em primeiro lugar dois princípios: a pessoa do aluno e a sua formação.
28 de Novembro de 2014