A vida depois das eleições – Santana Castilho

A vida depois das eleições

A não consideração do tempo de serviço prestado pelos professores não é assunto encerrado. É questão apenas postergada. E como qualquer problema sério cuja solução se protela, os danos têm tendência para aumentar. Tanto mais que, depois da crise política que António Costa encenou e usou para fomentar na opinião pública ódio aos professores, sinal distintivo das políticas do PS dos últimos anos, ficou uma classe profissional maltratada por todos os partidos e por boa parte da opinião publicada.

Ficou claro, depois da pronúncia da UTAO, que a não contagem do tempo nada teve que ver com o défice orçamental. Mas não ficou claro que a questão central é que o Estatuto da Carreira dos Professores está em vigor e que num Estado de Direito as leis são para cumprir. Outrossim, o que se viu foi que, desde que um Governo chantageie habilmente a AR, pode espezinhar as leis, sem sequer se dar ao trabalho de as alterar. A perfídia do processo resume-se ao pleno do “espírito” geral, descontadas as “formas” de cada partido: o reconhecimento do tempo ficaria sujeito ao livre arbítrio de um Governo, fosse ele de que partido fosse. Ao menos nisto, como se viu, houve um triste consenso parlamentar.

Que ao menos António Costa tivesse tido um assomo moral de justificar o calote desonesto aos professores com a conivência política de tantos (por incompetência nuns casos, cumplicidade noutros) com as fraudes bancárias da última década (20.000 milhões). Que ao menos tivesse feito contrição política mínima de reconhecimento que a dívida de Berardo (968 milhões) tem a sua génese na estratégia megalómana de um psicopata social (que quis dominar a banca e os media), de quem ele foi número dois no Governo.

Se não colheu o argumento da estabilidade orçamental, tão-pouco colhe o da falta de dinheiro. Com efeito, o que está em causa são opções e são as opções políticas que determinam para o que há e para o que não há dinheiro. Exemplos?

Um relatório do Tribunal de Contas, recentemente divulgado, diz que a distribuição gratuita de manuais escolares tem uma previsão de custo, em 2019, de 144,6 milhões de euros (estimativa do Instituto de Gestão Financeira da Educação). Todavia, no OE deste ano apenas está considerada uma dotação de 47,3 milhões. A esta desconformidade de 100 milhões, considerada incompreensível pelo Tribunal de Contas, somam-se 29,8 milhões de 2018, mais cerca de dez milhões para licenças digitais praticamente sem uso, para uma taxa de reutilização dos manuais de… 3,9%.

Houve dinheiro para aumentar (e bem) o salário mínimo nos empregos públicos. Houve dinheiro (e bem) para considerar todo o tempo congelado nas carreiras gerais dos funcionários públicos. Houve dinheiro (e mal) para diminuir o IVA da restauração. Com uma dívida pública que continua a aumentar (89 mil milhões em 2007, 196 mil milhões em 2011, 251,1 mil milhões em 2018), Costa diz que vamos no bom caminho. Mas com o pagamento ao longo de sete anos do que o Estado deve aos professores, as finanças públicas sucumbiam.

Depois de um deplorável epílogo, os professores têm agora de tomar uma decisão pica-miolos: ou recebem os dois anos, nove meses e 18 dias em três parcelas (entre 2019 e 2021) ou de uma só vez, aquando da sua próxima progressão. Mas, para além da ponderação para ver qual escolha é mais favorável, acresce que a situação se complica para os que optarem pelo faseamento, dado que podem ter o requisito relativo ao tempo mas não terem o requisito relativo à avaliação do desempenho, designadamente número mínimo de horas de formação ou, nalguns casos, aulas observadas. Aparentemente, o legislador não pensou neste constrangimento e sobre ele disse nada.

A possível inconstitucionalidade do diploma do Governo que consagra os menos de três anos do tempo de serviço dos professores poderá ser o centro da próxima litigância dos docentes, quer através de acções individuais contra o Estado (onde os professores lesados pela ultrapassagem por colegas menos qualificados e com menos tempo de serviço, em consequência da aplicação do diploma, suscitem a sua inconstitucionalidade), quer por via de queixa ao provedor de Justiça, já que, como é sabido, a fiscalização sucessiva da constitucionalidade só pode ser pedida pelos tribunais, pelos partidos com assento na AR ou pelo provedor.

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4 comentários

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    • Maria Alexandra Almeida on 29 de Maio de 2019 at 11:57
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    Excelente, como sempre, Santana Castilho! Mas a comunicação social não foi honesta e “atirou-nos” poeira para os olhos. Mário Nogueira, em representação dos sindicatos e dos docentes, pediu encarecidamente aos partidos representados na AR que deixassem passar a proposta do PSD (da recuperação ser de acordo com a economia) pois abria a possibilidade de, na próxima legislatura, por ex, os escalões durarem 2 anos em vez de 4 e o 5º escalão durar 1 ano em vez de 2 até à recuperação total. APENAS O PAN atendeu a este pedido e não foi contra os professores.
    Contudo, a péssima comunicação social que temos ocultou este facto e divulgou que todos os partidos se opuseram à recuperação dos 9A, 4M e 2D. Não foi assim: O PSD e o CDS não viabilizaram a proposta porque não estava lá escrito que era “de acordo com a economia” e os apoiantes do governo não viabilizaram a proposta do PSD porque tiveram medo de futuras represálias do PS.
    Era importante que isto se divulgasse entre os docentes.


    1. Acha mesmo que ganharia alguma coisa com as condições que os liberais da treta (dependentes do dinheiro público, prontos a aprovar “serviços” às clientelas, por lá “alapados” há décadas,.. ) queriam impor para aprovarem um direito legítimo? Ou continua a “deixar que lhe atirem poeira para os olhos”?


  1. Excelente, mais uma vez, o artigo de Santana Castilho. Creio que demonstra as evidências da má fé / desonestidade bem como evidencia um estado fora da Lei quando lhe convém!
    Se à Provedoria não lhe chegar o facto de para ser Lei basta ter sido aprovada ainda que ponha em causa, com forte probabilidade, direitos legalmente defendidos e se agir de acordo com a justiça, o tratamento igual dos cidadãos/ trabalhadores previsto na Constituição defenderá a Sustentabilidade da Justiça, a Sustentabilidade da confiança nas Instituições Públicas, a Sustentabilidade dos tribunais (especialmente administrativos , hoje já caóticos) e defenderá, em consequência, a Sustentabilidade financeira… Quero acreditar que, seguindo esta via, remeta para o tribunal Constitucional a apreciação de potenciais e fortíssimas probabilidades de muitas ilegalidades e inconstitucionalidades que a aplicação da ” aberração” virá trazer.

    As Leis para serem leis não têm que ser, não podem ser, estúpidas! Há que travar esta forma de consumir o erário público, de consumir os cidadãos, de consumir as organizações, de degradar a Justiça e de destruir a democracia!

    Há que lutar por um Estado mais organizado, mais competente, de boa fé, ao serviço dos seus cidadãos,…, Um Estado muito mais eficiente!

    • Maria R. on 31 de Maio de 2019 at 17:00
    • Responder

    Excelente Artigo !
    Políticos aldrabões!
    E os Sindicatos estão feitos com o sistema caso contrário já tinham avançado para os tribunais!
    Classe desunida também! Caso contrário poderíamos avançar sem eles. Individualmente tem menos força.

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