No mesmo dia em que Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, entrava num debate quente com o primeiro-ministro, nas ruas de Paredes de Coura, a imprensa começava a publicar os primeiros dados do relatório da OCDE, Education at a Glance. Nessa altura, a ideia de enviar centenas de emails para o diretor de Educação da OCDE com recibos de vencimento de professores estava longe de ser imaginada.
Os títulos dos jornais daquela terça-feira não eram favoráveis para os professores. Numa altura em se batem pela recuperação total do tempo em que as suas carreiras estiveram congeladas, o relatório pintava o seguinte cenário: os professores portugueses são, enquanto classe, dos mais velhos da OCDE, são dos que trabalham menos horas, recebem mais 35% do que outros licenciados em Portugal e os seus ordenados no topo da carreira são mais altos do que a média dos países da organização.
Em Paredes de Coura, longe do computador e do relatório de 500 páginas, Mário Nogueira pouco conseguiu dizer aos jornalistas que lhe pediam comentários sobre os valores dos ordenados. Só no dia seguinte, às 8 da manhã, começou a fazer contas. E o que lhe dizia a calculadora motivou o envio de um comunicado às redações: “Relatório da OCDE parte de dados falsos e põe a circular mentiras.”
Para já, o sindicato vai pedir explicações à organização sobre os números apresentados: quer saber como se chegou a eles e quem os enviou à OCDE. Mas tem mais uma ideia na manga: a estrutura sindical vai pedir a todos os professores que enviem um recibo de vencimento para o email de Andreas Schleicher, para que o diretor de Educação da OCDE possa ver quais são, de facto, os ordenados reais dos docentes.
Ao Observador, o gabinete de Schleicher explica a diferença: “Os valores foram convertidos para dólares americanos usando paridades de poder de compra.”
No capítulo dedicado ao indicador D3, “Quanto ganham professores e diretores?”, o relatório coloca os salários dos professores portugueses no topo da carreira acima da média da OCDE, numa tabela que mostra os valores dos ordenados dos docentes dos diversos países. E aí começam as desconfianças da Fenprof. Os números apresentados são muito superiores aos reais e não têm em conta os anos em que as carreiras estiveram congeladas e em que os professores não puderam progredir de escalão.
“Por exemplo, eles colocam um professor com 15 anos de carreira no quarto escalão. Ora, isto é mentira. Um professor com 15 anos de serviço está no primeiro escalão, porque durante 9 anos, 4 meses e 2 dias as carreiras estiveram congeladas. Devia estar no quarto escalão, mas não está”, explica Mário Nogueira ao Observador.
Esta conta também é válida para os docentes que deveriam estar no topo da carreira e não estão, por não terem podido progredir durante os dois períodos em que a carreira esteve congelada.
Além disso, os valores não batem certo com os da Fenprof e estão muito próximos do que ganha um professor auxiliar num instituto superior de educação. “Se um docente em início de carreira ganhasse 28.349 euros por ano teria, por mês, um salário bruto mensal de 2.024. Isto é totalmente falso. O bruto — nem vou falar do valor líquido que se leva para casa — é de 1.530 euros. Por ano, recebe 21.420 euros, o que é uma diferença brutal de 6.929 euros para o que mostra a OCDE”, diz o líder da Fenprof ao Observador.
A diferença de números entre o que dizem as tabelas salariais portuguesas e as tabelas da OCDE continua, argumenta Mário Nogueira. “Se quem tem 15 anos de carreira ganhasse os 36.663 euros anuais receberia por mês 2.618 brutos. Se o tempo de serviço não estivesse congelado e ele estivesse no 4.º escalão, como deveria, recebia um salário de 1.982 euros. Mas como o governo insiste em não contar o tempo perdido pelos professores, ele continua no 1.º escalão com 1.530 euros por mês.”
Para os professores no topo de carreira, o cenário repete-se: a OCDE aponta para os 56.401 euros anuais (4.028 mensais), quando as tabelas salariais não passam dos 3.364 euros brutos por mês. “É uma diferença de 9.305 euros anuais. E estamos a falar de brutos, quando sabemos bem que o que conta e paga contas é o que levamos para casa no final do mês. Os nossos salários brutos, por exemplo, são mais alto que os dos colegas de Espanha. Mas depois de pagos os impostos, eles ficam a rir-se de nós”, sublinha Mário Nogueira. “Se dizem que recebemos aquilo, então paguem-nos aqueles valores. Se temos a fama, mais vale ter o proveito”, ironiza o líder da Fenprof.
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